segunda-feira, 12 de outubro de 2009

ESPECIAL BASTARDOS INGLÓRIOS - Contexto

A vingança como razão

O novo filme de Quentin Tarantino se ajusta, e se alimenta grandemente, de um discurso muito comum no cinema. Discurso este, que já valeu filmes maravilhosos ou homéricas enganações. O que move Bastardos inglórios é a busca por vingança. E ela pode ser observada em três frentes.
A primeira e mais trágica, a que justamente por isso dá liga ao filme, é de Shoshana. Menina judia que vê sua família ser dizimada por um coronel nazista. Anos mais tarde ela será presenteada com a oportunidade da vingança. Junto com a vingança se anuncia a possibilidade de uma convivência pacífica e até mesmo prestigiada para Shoshana, já que ela desperta a paixão de um soldado alemão, tido como herói em seu país. Shoshana, contudo não vê nessa conjuntura nenhuma alternativa. A vingança é a única coisa que lhe ocorre.
Depois temos os bastardos inglórios. Um pelotão do exército americano que desembarca na França ocupada pelos nazistas menos para colaborar com qualquer estratégia de guerra e mais para promover carnificina entre o “ rebanho” nazista. Os bastardos, compostos em sua maioria por soldados judeus, são, portanto, vingadores ungidos pela necessidade de impor aos nazistas o mesmo terror que eles vinham impondo ao mundo, e aos judeus mais especificamente.
Por último, temos nós, a platéia, que sempre alimentamos esse tipo de catarse cinematográfica e que aqui experimentamos uma de voltagem, e imaginação, ainda mais intensas. Tarantino sadomiza nazistas da maneira que muitos judeus só se permitiam desejar nos sonhos. E realiza, combinando poesia e violência, um desfecho totalmente diferente da segunda guerra mundial. Um mais justo. Confrontadas, a História real e a história de Tarantino, qual é o saldo?
O filme foi duramente criticado por alguns críticos americanos que acusaram Tarantino de não apresentar um discurso pacifista. Ao contrário da maioria dos filmes de guerra, Tarantino estaria pregando o olho por olho, dente por dente, diziam. De qualquer maneira, o que Tarantino propõe é algo ainda mais radical e subversivo. Ele propõe um devaneio dos mais frugazes. E se tudo tivesse terminado diferente? E se nazistas pudessem ser reconhecidos por marcas em suas testas? Afinal, é sabido que muitos fugiram e viveram em paz em países como o Brasil totalmente adaptados á sociedade. Nunca pagaram por seus crimes. Isso é algo inadmissível para o diretor, que externa isso através do tenente vivido por Brad Pitt. Aldo Reine, com seu indefectível sotaque, diz que nazistas escaparem e conseguirem enterrar seu passado é intolerável. E marca-os à faca.
Bastardos inglórios é portanto, entre muitas coisas, um épico sobre vingança. Tarantino já havia trabalhado o tema, com mais espetacularização e menos impacto, em Kill Bill. A vingança é sempre um convite generoso para as bilheterias. Mas também há legítimos estudos sobre ela no cinema. Se em filmes como O vingador, estrelado por Vin Diesel, a vingança é mote raso para um filme de tiros, em Sobre meninos e lobos, ela é elemento desestabilizador de convicções e elos.
Tarantino disse, recentemente, entender que a vingança é a emoção humana mais poderosa. Mais forte até que o amor. É lógico, trata-se de uma opinião muito pessoal. Contudo, se nos pusermos a observar, veremos que ela está presente até mesmo em gêneros que não guardam violência em seu escopo. Comédias românticas como Marido por acaso, O diário de Bridget Jones, entre outros, agregam elementos de vingança em sua história.
A sociedade, em seu processo civilizatório, estabeleceu distinções entre justiça e vingança. E restringiu o monopólio de assegurar a justiça ao Estado. Mas e quando este falha em provê- la? É do que trata o filme Código de conduta (destacado por Claquete como umas das 10 principais estréias do final do ano). Gerard Butler, após os assassinos de sua família serem beneficiados por acordos judiciais, rebela-se contra assassinos e sistema. Mais sintomático da insatisfação com as instituições, impossível.
Em Bastardos inglórios fica patente, de uma vez por todas, o poder redentor do cinema. E nenhum sentimento humano se vale tão bem dele quanto a vingança.







Para quem quiser ver outros filmes que abordam o tema ou oferecem um ponto de vista diferente:

Kill Bill , volume 1 e 2 ( 2003 & 2004)de Quentin Tarantino
Sobre meninos e lobos (2003) de Clint Eastwood
Old boy (2003)de Chan Wook Park
Gladiador (2000) de Ridley Scoot
Efeito Colateral (2002) de Andrew Davis
Os filhos de Kate Elder (1965 ) de Henry Hathaway
Ventos da liberdade (2006) de Ken Loach
Carrie – a estranha (1976) de Brian de Palma

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