domingo, 6 de novembro de 2011

Insight

Os loucos devaneios de Andrew Niccol 



O que os filmes Gattaca – experiência genética (1997), O show de Truman (1998), O terminal (2004), O senhor das armas (2005) e o recente O preço do amanhã (2011) têm em comum? O gênio criativo de Andrew Niccol, neo zelandês radicado na Inglaterra e que floresceu no cinema americano. Ele não dirigiu todos eles, mas foi a peça central de histórias inusitadas e, não raro, impressionantes.
Niccol chegou em Hollywood com o roteiro de Gattaca, produção que lhe valeu alguns prêmios e muitos elogios. A ficção científica produzida pela Columbia Pictures não rendeu fábulas de dinheiro, mas rapidamente se tornou cult e referencial para filmes que viriam a se consagrar na ficção científica como Matrix, por exemplo.
Em Gattaca, os seres humanos são manipulados geneticamente em laboratório e todos aqueles que foram concebidos biologicamente são considerados inválidos. O personagem de Ethan Hawke é um dos inválidos que consegue se passar por ser superior até que um assassinato coloca toda a sua armação em risco. A alegoria com o nazismo e experiências científicas que dataram daí em diante são óbvias. Gattaca é um thriller de primeira linha que apresentava um articulador de ideias com talento bruto, mas promissor.
Com o sucesso de Gattaca embaixo dos braços, Niccol passou a procurar casa para um outro roteiro: uma pequena jóia chamada O show de Truman que ele já havia escrito e ofertado a alguns estúdios antes. O poderoso Harvey Weinstein (que se tornaria mais poderoso ainda) queria comprar o roteiro para proceder mudanças. Scott Rudin, na época trabalhando apenas com a Paramount, achava o roteiro perfeito, mas não aceitava o outro termo de Niccol: dirigir o filme.
Peter Weir e Jim Carrey chegaram para fazer de O show de Truman um dos filmes mais significativos dos anos 90 e um verdadeiro estudo sobre humanidades. Niccol ainda conseguiu sua única indicação ao Oscar até o momento pelo roteiro da fita.

Niccol instrui Al Pacino no set de Simone-nasce uma super estrela: um golpe em uma carreira em franca ascensão 


Para quem ainda não assistiu a esse filmaço, Truman (Carrey) vive toda a sua vida em um reality show sem ter conhecimento disso. No momento que descobre que toda a sua existência é uma farsa de tv, entra em parafuso. O filme, obviamente, é uma antecipação enfática da mania dos realities e um caloroso drama sobre as ramificações da consciência e livre arbítrio.
O próximo passo foi em falso. Niccol recrutou ninguém menos que Al Pacino para viver o mentor e criador de uma estrela de cinema virtual. "Simone – nasce uma super estrela (2002) tinha uma grande ideia, mas não um longa metragem”, chegou a escrever a Time à época do lançamento do filme. Uma mesura de ambições desmedidas e revolução digital que encontravam em um histriônico Pacino um desnível muito grande em matéria de reflexão. Simone não agregou valor ao portfólio de Niccol, mas não impediu que uma colaboração sonhada tomasse forma. Steven Spielberg o chamou para escrever um filme que o diretor faria “por esporte”, chamado O terminal. A sinopse é conhecida. Um turista de um país do leste europeu não pode entrar nos EUA após um golpe militar e posterior estado de sítio que acomete seu país. O personagem de Tom Hanks, então, fica confinado à uma improvável estadia no aeroporto JFK, um dos principais dos EUA. Niccol também atuaria como produtor do filme. O roteiro, com incrível tom otimista, seria a curva mais notória na “mente perturbada” do diretor e roteirista, como viria a classificar Justin Timberlake - estrela de O preço do amanhã – em recente entrevista ao Late Show with David Letterman. 
Mais cínico, inteligente e audacioso foi seu projeto seguinte. No drama O senhor das armas, Niccol arranca uma das melhores atuações de Nicolas Cage nos últimos dez anos na pele de um mega traficante internacional de armas que se esforça para manter-se afastado de sua consciência. O filme abre com uma sequência genial e imaginativa de toda a “existência” de uma bala e segue com a mesma desenvoltura narrativa. Um achado. 
Superar esse trabalho elogiado e impactante demandaria tempo. O preço do amanhã pode não ter esse efeito, mas é a primeira produção de médio porte assinada por Niccol com todo o maquinário de um grande estúdio, no caso a Fox, a lhe dar suporte.
O neo zelandês não goza do mesmo status de outro roteirista sensação que causou em Hollywood na última década, mas diferentemente de Charlie Kaufman seus filmes ostentam maior apelo comercial. Além do mais, Niccol já provou ser um diretor mais capaz do que seu par e mais aberto a concessões quando não dirige o próprio texto. São características que atestam que as loucuras de Niccol ficam confinadas às histórias que ele cria.

Niccol, Amanda Seyfried e Justin Timberlake no painel do filme O preço do amanhã realizado na última edição da Comic Con em San Diego nos EUA 

4 comentários:

  1. O Andrew Niccol, pra mim, me convence mais como roteirista do que como diretor. Veremos se mudo de opinião com esse novo filme dele.

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  2. O show de Truman ainda é a obra máxima até o momento, torço para que ele nos surpreenda e vá além, dessa vez também dirigindo. Gosto muito das sutilezas de O Terminal. E verdade, O Senhor das Armas deu a Nicolas Cage uma ótima oportunidade de não ficar com aquela cara de choro.

    bjs

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  3. Não sabia que O Show de Truman era um roteiro dele. Como você mesmo disse, é um filmaço! Muito bom conhecer mais da filmografia dele. Gostei e vou procurar ver os outros que eu ainda não vi. Inlucindo "O Preço de Amanhã".

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  4. Kamila: É inegável que ele é melhor roteirista do que diretor. (Pensam o mesmo de Woody Allen...) mas é um diretor para lá de competente.
    Bjs

    Amanda:Concordo que O show de Truman ainda é o seu "Cidadão Kane", por assim dizer. Mas vejo um artista muito interessante em formação.
    Bjs

    Alan:Bom te ver aqui de novo rapaz! Pois é, ele é dono de uma filmografia bastante instigante.
    Abs

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