terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Crítica - Django livre


Western vingador

Depois de Bastardos inglórios (2009), a missão de Quentin Tarantino não era fácil. Ainda que expectativas sejam sempre ruidosas em torno de seu cinema, depois da obra prima que revelou ao mundo o talento de Christoph Waltz, acrescentou-se à espera por Django livre (Django unchained, EUA 2012), a percepção de que Tarantino fizesse pelos negros o que fez pelos judeus em Bastardos inglórios. Não foi essa a opção artística de Tarantino, ainda que ele tenha alimentado essa expectativa em entrevistas promocionais. Há sim o espírito revanchista visto em Bastardos inglórios e licenças poéticas equivalentes. Mas não há a mesma sofisticação no argumento e sua flagrante ramificação nos diálogos. Ainda que o roteiro seja tão esperto quanto se poderia imaginar, as referências empregadas por Tarantino, salvo a participação de Franco Nero e o peso de uma menção a Alexandre Dumas, são menos entusiasmantes do que o diretor de Pulp Fiction acostumou sua plateia. De maneira alguma, no entanto, depõem contra o entretenimento salutar que é Django livre; especialmente para os fãs do cineasta.
Tudo começa com o dr. King Schultz (Christoph Waltz), um caçador de recompensas alemão que compra Django (Jamie Foxx) para ajudá-lo a identificar três irmãos fugitivos com cabeças à prêmio. Mais adiante, Schultz e Django, a quem o alemão libertou por abominar a escravidão, gozando de indubitável afinidade, travam um acordo: Django será o parceiro de Schultz em suas caçadas pelo inverno e depois Schultz o ajudará na missão de libertar sua mulher Broomhilda – parte daí um das coisas mais sedutoras em Django livre. Tarantino se apropria de uma lenda nórdica, bastante popular na Alemanha, para temperar a história de amor que move Django e confere mais estofo à trama de vingança.  

Os bons companheiros: o alemão e o negro contra a tirania americana do sul no western revanchista de Tarantino


Broomhilda está em Candyland, fazenda de propriedade de Calvin Candie (Leonardo DiCaprio), um exótico apreciador de “mandigo fights”, lutas entre escravos.
Tarantino investe em um western de fotografia saturada, com atuações caricaturais e tiros espalhafatosos. É uma alternativa reverente a um de seus gêneros preferidos. Mas como western, Django livre é um ótimo filme de Tarantino. Talvez aí esteja parte do problema da obra. Para se ter uma ideia, os Coen foram muito mais bem sucedidos na releitura que fizeram de um clássico do gênero com Bravura indômita (2010).
No entanto, Tarantino articula algumas boas aventuranças em sua empreitada. A figura do escravo vingador Django é a mais nítida de todas, mas o conchavo de um emergente Ku Klux Klan é outro grande momento. A ojeriza do europeu civilizado em face da selvageria americana em pleno século XIX é outro comentário sutil muito eloquente do cineasta que ganha nas expressões sempre febris de Waltz uma força tremenda. A relação de Candie com seu escravo Stephen (Samuel L. Jackson), uma relação de um homem com seu pet, também é um assombro em sua eloquência. O mesmo Stephen, personagem vivido com gosto por Jackson, um negro que se acha superior aos outros negros – um personagem tão real quanto incômodo – é outro esqueleto no armário que Tarantino revela com seu filme.
Django livre, como todo bom Tarantino, opta pela via violenta em seu desfecho. Mas há um comentário valoroso embutido no ato que desencadeia a violência que dita o clímax do filme. Um homem que mata por dinheiro é mais honrado do que um homem que o faz apenas para seu entretenimento. É um comentário poderoso que se fosse mais bem articulado nas cenas que se seguem poderia fazer de Django livre um filme mais significativo do que de fato é. E aí entra outro problema do filme. A edição. É certo que o filme poderia ser pelo menos uns 25 minutos mais curto. Cenas inteiras são desnecessárias. Um peso que certamente abala a estrutura do filme.
Um abalo positivo, porém, reside na pomposa trilha sonora. Todas as composições, inclusive as quatro do mestre Ennio Morricone, tornam a jornada de Django e Schultz mais potente.

Visceral: Leonardo DiCaprio tem em Django livre um dos melhores momentos de sua carreira


Potente, aliás, é Leonardo DiCaprio em cena. O ator cria um personagem asqueroso em toda a sua existência que representa com clareza toda a ignorância e selvageria que avexam esse recorte da história americana. Com bem menos tempo em cena do que Foxx e Waltz, DiCaprio atinge os melhores agudos de Django livre com sua interpretação.
Por fim, o mais recente Tarantino é um filme imperfeito. Não tem a força e inteligência de Bastardos inglórios, sua obra prima, nem a originalidade e ousadia, de Pulp Fiction, sua antologia, mas é um filme que sobrevive em suas boas intenções para com o cinema e com a humanidade.

7 comentários:

  1. DiCaprio está mesmo incrível no papel, mas asqueroso mesmo é o personagem de Samuel L. Jackson, ô criatura que dá vontade de que nunca existisse.

    É isso, um bom filme, acima da média, mas para a filmografia de Tarantino fica aquém.

    bjs

    ResponderExcluir
  2. “Django Livre”, pra mim, foi um daqueles filmes que pecou pelo excesso. Excesso de violência, excesso de paixão! Mas, acho que isso é um reflexo da forma apaixonada com que o Quentin Tarantino realiza o ofício de diretor. Ele é um apaixonado pelo cinema, pelo que faz, e isso se reflete em seus filmes. Acho uma obra inferior à “Bastardos Inglórios”, porém é inegável que “Django Livre” tem muita qualidade técnica e performances excelentes, especialmente de Christoph Waltz, Samuel L. Jackson (tive nojo do personagem dele) e Leonardo DiCaprio.

    Beijos!

    ResponderExcluir
  3. É realmente interessante a análise que vc faz do filme: quem produz sempre está sujeito a altos e baixos, e pelo que depreendi de sua análise, mesmo esse não sendo um pico, está longe de ser um vale no panorama criativo de Tarantino. Estou pra ver o filme neste fds - só não vi no fds passado porque só encontrei fitas dubladas onde eu estava (realmente, nem Tarantino pra mim se salva depois da dublagem, rsrsrs). Mas estou curiosa com o DiCaprio e com o Christoph Waltz...
    Enfim, ótima análise, Reinaldo ;)

    ResponderExcluir
  4. Já leu minha crítica né e sabe o que achei do filme. Pra mim, Tarantino tende a melhorar cada vez mais e agora esta mais cuidadoso com sua filmografia. Django Livre é tão formidável como Bastardos Inglórios, Pulp Fiction e os demais (exceto À Prova de Morte que em revisões foi perdendo a graça, ainda assim há cenas divertidas como o sofrimento de Kurt Russell, rs).

    Digno filme que ressuscita um ícone do faroeste. Um híbrido que transparece a paixão de Taranta pelo cinema. Adorei!

    E é claro, ótimo texto Reinaldo!

    Abração!

    ResponderExcluir
  5. Gostei muito da crítica, ADORO o Tarantino, mas ele pecou bastante na edição, às vezes tenho a impressão de que ele não sabia muito bem no que se focar quando escreveu o roteiro, é um filme de altos e baixos, com cenas fantásticas e também com cenas completamente inúteis, que te fazem querer sair do cinema. Não foi tão inteligente comparando-se ele a outros filmes do Tarantino. Foi um bom filme, preciso ver novamente, admito que estava meio sonolento quando vi o filme, achei o filme divertido, legal, gostei da violência usada, da comicidade, do sentimento de vingança (adorei a cena em que Django chicoteia um dos irmãos que ele estava atrás). Faltou apenas AQUELA cena inteligente, faltou encaixar mais as coisas, faltou focar nas coisas certas. Samuel L. Jackson estava DEMAIS, Waltz estava bem, mas nada que merecesse um Globo de Ouro, e Fozz me surpreendeu. AMEI a trilha sonora, algumas cenas são fantásticas, mas faltou aquela.. "explicação" do Tarantino, aquela filosofia, ele tentou a botar em alguns momentos do filme, como quando Django indaga "waltz" ,seu companheiro, antes de matar um homem que tem um filho, então "Waltz" tira um folheto do bolso e não explica NADA. Dá uma explicação fajuta, sem muito sentido, sem criatividade, sem a genialidade do Tarantino. Um bom filme, mas Tarantino devia ter esperado mais tempo, ter trabalhado mais no roteiro. Poderia ter sido muito melhor. Acho que a pressa de Tarantino está ligada ao seu sentimento de onipotência, nessa de "posso fazer o que quiser" ele deve ter sido menos cauteloso com o filme, aí, logicamente, não gerou o melhor que poderia. Só para constar: Tarantino, na minha opinião, é o melhor de todos os diretores vivos ou mortos.

    ResponderExcluir
  6. ainda não vi este mas...porquê a absoluta certeza acerca do inglorious basters como obra prima do homem? é um filme muita bom confere e com a pretensão e lata de afirmar que o cinema pode mudar o mundo, mas isso não lhe chega para ser afirmado como obra-prima do tarantino, quando existem mais moves.

    ele tem é um olhar que se desvia dos códigos tradicionais e mete numa saladeira gigante cinco mil merdas a funcionar na perfeição - apesar de nunca sair muito da forma do recipiente, e raramente fazer personagens que vão além do espírito da narrativa e da estética dele.

    ResponderExcluir
  7. Engraçado, todas as criticas que li falam de excessos e cenas inúteis, mas nenhuma citou uma cena sequer. Opinião é que nem cu, cada um tem o seu e da quem quer, mas para mim nenhuma cena me deu vontade de sair do cinema, mto pelo contrario. Filme irretocável. Para fãs de Western Spaghetti e Tarantino como eu, é um prato cheio.

    ResponderExcluir