quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Crítica - Tese sobre um homicídio

Ode à construção de ambiguidades

Adaptado de um romance policial de Diego Paszkowski, Tese sobre um homicídio (Tesis sobre um homicídio, ARG 2013) é daqueles filmes que se beneficiam de sua matiz literária para elevar o alcance narrativo em uma proposta sofisticada que combina os ardis do direito, em particular do direito penal, à logica do thriller, cristalizando uma narrativa multifacetada que privilegia a ambiguidade do registro. 
É bem verdade que, uma vez ou outra, o diretor Hernán Goldfrid pesa a mão; mas é louvável seu esforço para envolver o espectador em uma narrativa tensa e cheia de pistas melindrosas para depois aturdi-lo com uma indagação que cresce de tamanho terminada a sessão.
Ricardo Darín vive com sua inexpugnável competência Roberto Bermudez, prestigiado professor de direito criminal que ministra um curso de pós-graduação em Buenos Aries. Vaidoso e egocêntrico, ele se interessa por um homicídio que acontece nas dependências da universidade em que leciona. Mais: enxerga na figura de Gonzalo Ruiz (Alberto Ammann), um aluno filho de um antigo desafeto, alguém capaz de ter cometido o assassinato apenas para estabelecer com ele um jogo sádico em que direito e ego se chocam e se complementam.
Daí em diante, o longa acompanha à completa e irrestrita entrega de Bermudez à obsessão por desmascarar Gonzalo; ou antes disso, verificar a eficiência de sua tese. A de que seu aluno é um psicopata e que estabeleceu, por uma razão que pode ou não estar vinculada ao passado dos dois, um jogo de gato e rato com ele. Ricardo Darín confere estofo dramático ao destempero crescente de seu personagem, alcançando uma das melhores atuações de sua carreira recente.

Atenção aos detalhes, recomenda o professor vivido por Darín...

O grande mérito do filme de Goldfrid, a despeito da atmosfera noir tão rara na cinematografia latino-americana, é obrigar o espectador a encampar o ponto de vista do protagonista por quase toda a metragem da fita, para depois desarmá-lo da certeza do que acompanhou até aquele momento. O interesse na ambiguidade, do ponto de vista narrativo, é menos de esconder o ouro – como tradicional em tramas policiais dessa estirpe, e mais em estabelecer uma análise “de ponta a cabeça” da subversão que uma obsessão pode ocasionar na vida e na percepção de uma pessoa. Há, claro, um final pretensamente aberto que muitos estão tomando como óbvio ou fruto de um roteiro mal desenvolvido. O final, no entanto, é mais fechado do que muitos imaginam e mais enfático da relatividade de certas verdades – especialmente no direito (onde no escopo do filme duas teses antagônicas são erguidas) – do que todos nós gostaríamos. Tese sobre um homicídio é, com toda a certeza, um dos pontos altos de 2013 nos cinemas.

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