domingo, 3 de novembro de 2013

Insight - O cinema para o público adulto na berlinda

No ultimo domingo, como parte da cobertura especial sobre o filme O quinto poder no blog, a seção Insight abriu um debate sobre a produção cinematográfica voltada para o público adulto. Na ocasião, estavam sob análise o modelo de produção hollywoodiano, a exposição que esses filmes recebem e a maneira como o sucesso deles é avaliado.
Paul Greengrass que apresenta agora o tenso Capitão Phillips, lançou em 2010 o ótimo e inteligente Zona verde. A ideia do estúdio Universal era muita clara. Pegar a dupla responsável pelo sucesso da franquia Bourne e colocá-los a frente de um filme que discutia com coragem a falácia do governo americano de que havia armas de destruição em massa em poder do regime de Saddam Hussein no Iraque. O filme foi um fracasso de bilheteria retumbante, ainda que tenha contado com boas críticas.
Essa introdução é necessária para contextualizar a resistência do sistema de estúdios hollywoodiano a produções que fujam de sua valoração monetária (remakes, adaptações de HQs, games e etc). Mas não são apenas os estúdios os vilões dessa história. Tanto distribuidores como exibidores se fiam na lógica comercial, afinal, estão no negócio do cinema para faturar. Má disposição para estratégias de marketing, pouco tempo e horários ingratos nas salas de exibição são outros fatores que contribuem para esse sufocamento das opções mais adultas nos cinemas. Em outubro, no entanto, uma concentração incomum de produções dessa estirpe se deu nas salas brasileiras. Bons filmes como Os suspeitos, O conselheiro do crime, O capital, Conexão perigosa, Gravidade, entre outros foram lançados e, por vias tortas, iluminaram a falta que esse tipo de produção faz no circuito comercial brasileiro.

 Matt Damon e Greg Kinnear em cena de Zona verde: filme inteligente que não atendeu às expectativas comerciais do estúdio

Hugh Jackman em cena de Os suspeitos: thriller com vontade de ir bem além do convencional e que foi muito elogiado por isso


Mas o cinema americano, aquele que compreensivelmente recebe mais destaque em todo o planeta, é apenas o caso mais alarmante. O Brasil, por exemplo, viceja no mesmo problema. Filmes voltados a um público que aprecia um entretenimento mais inteligente escasseiam na produção nacional e não se remete a produções autorais que exigem gosto refinado e verve cinéfila, mas filmes como Disparos, Boca e Chamada a cobrar, que apresentam potencial comercial, mas que não se esmeram unicamente neste princípio. São filmes que buscam um público adulto, mas por razões diversas, não acham. Esse tipo de produção é vítima do mesmo sistema perverso que acomete a produção hollywoodiana. Nesse sentido, o cinema argentino se destaca por catalisar onde Brasil e EUA fraquejam. O cinema comercial argentino aposta no público adulto e, não à toa, tem no astro Ricardo Darín seu fiel da balança. Filmes como Um conto chinês, Dois mais dois e mesmo El crítico, em cartaz na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, desafiam ao rimar humor acessível com inteligência argumentativa. Isso para ficar na seara das comédias. O cinema argentino investe em uma produção refinada em variados gêneros, obtendo sucesso comercial com filmes altamente críticos como Elefante branco. O filme abertamente comercial mais inteligente lançado este ano no Brasil é argentino e se chama Tese sobre um homicídio.
Com essa dificuldade de se impor no mercado, o cinema adulto não exatamente artístico vai se abrigar nos festivais e passa a competir por espaço com os referidos filmes artísticos, mudando a cara da programação de alguns festivais de médio e pequeno porte e transfigurando o circuito de arte das grandes metrópoles como São Paulo.

Ricardo Darín em cena do excelente Tese sobre um homicídio: a principal razão de sucesso dos filmes argentinos no Brasil é porque eles apostam (sempre) no público adulto

Se é um cenário preocupante no curto prazo, no longo prazo é alarmante; pois se passamos a ver uma produção que não se ajusta aos padrões circunstanciais de “produto comercialmente viável” empurrada para a janela de lançamentos artísticos, o que acontecerá com as produções mais experimentais, livres e artísticas na concepção inteira do termo? O jogo de influências tende a se desequilibrar. O primeiro sinal disso talvez seja a sombra que o festival de Toronto faz sobre Veneza e como esse se americaniza mais a cada ano, conforme já apontado por Claquete reiteradas vezes.
A revolução na distribuição de conteúdo audiovisual, com novos players se erguendo na internet, pode relativizar esse quadro perturbador. Até porque o público adulto, neste primeiro momento, parece ser o principal alvo de empresas como Netflix e Amazon. Mas, nesse mesmo momento, essa possibilidade é apenas uma aposta obscura. Afinal de contas, os novos players também estão nessa para ganhar dinheiro.

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