domingo, 27 de abril de 2014

Carta do editor - Não é o fim

Tem sido uma jornada de sobressaltos. Claquete, como quem com prazer acompanha o blog, é como um filho para mim. E como pai, sempre me predispus a oferecer o melhor para meu filho. Dedicação, talento, cultura e paixão pelo cinema marcaram esses quase cinco anos de história. Não é o fim, mas uma interrupção é necessária. Claquete deu frutos e eu já estreei um novíssimo blog de cinema no portal iG, o Cineclube. Mas não posso me desfazer desse blog, Claquete é da família. Me ajudou a me consolidar como profissional e a exercitar minha paixão pelo cinema, além de ter me apresentado uma série de blogueiros que se provaram tão importantes na minha rotina cinéfila. Gente boa mesmo que gostaria que me acompanhasse nessa nova empreitada. Claquete fica por aqui. Pronto para me receber a qualquer maremoto.
Agradeço imensamente a companhia, o crédito, a referência, a paciência e o apoio de todos vocês, leitores, que fizeram de Claquete seu canto de leitura e amor ao cinema. Os convido, com o mesmo entusiasmo, a descobrir e curtir o Cineclube. Garanto que vocês não vão se arrepender. Até logo!

Reinaldo Glioche


sexta-feira, 18 de abril de 2014

A seleção da 67ª edição do Festival de Cannes

A correria foi grande, assim como os boatos que cercavam o anúncio dos filmes que integrariam a lista dos concorrentes à 67ª disputa pela Palma de Ouro na croisette. E, como de hábito, o anúncio dos filmes selecionados agradou. Com Cannes é assim, como os filmes ainda não foram vistos, há muita pouca controvérsia. A apreciação se dá no número de vencedores prévios em disputa, de cineastas consagrados, de cinematografias privilegiadas, na presença americana, na presença francesa, na musculatura asiática e afins.
Para 2014, alguns favoritos do festival estão de volta. Jean-Luc Godard, David Cronenberg, Olivier Assayas, Jean-Pierre e Luc Dardenne, Xavier Dolan, Mike Leigh e Ken Loach capitalizam a disputa pela Palma de Ouro com o assédio de figuras que crescem em prestígio na Riviera como Michel Hazanavicius, Atom Egoyan e Naomi Kawase.
A briga pela Palma de Ouro traz menos americanos do que nos últimos anos. Eles são quatro. Somados a dois ingleses e a filmes de outras nacionalidades falados em inglês preservam a sensação de que Hollywood invadirá a croisette. Ryan Gosling, Nicole Kidman, Robert Pattinson, Kristen Stewart, Meryl Streep e Tommy Lee Jones são presenças esperadas em Cannes.
Robert Pattinson, em plena reengenharia de carreira, estreia dois filmes no festival. Está em Map to the stars, de Cronenberg, que compete à Palma de Ouro, e em The rover, que será exibido fora de competição e é do mesmo diretor do intenso Reino animal.  
A mostra Um certo olhar terá a première de Lost river, estreia na direção de Ryan Gosling, outro habitué de Cannes. La chambre bleue, novo filme de Mathieu Amalric também estará na mostra, assim como O sal da terra, documentário sobre o fotógrafo Sebastião Salgado assinado pelo filho dele em parceria com o cineasta Win Wenders.
Mais dois filmes devem ser anunciados na mostra principal, mas a presença sólida do cinema francês (Assayas, Godard e Hazanavicius), renovada do cinema americano (Tommy Lee Jones e Bennett Miller) são, sem sombra de dúvidas, a grande atratividade da lista neste primeiro momento.

Mostra competitiva principal

ADIEU AU LANGUAGE, de Jean-Luc Godard

CAPTIVES, de Atom Egoyan
FOXCATCHER, de Bennett Miller
GRACE OF MONACO, de Olivier Dahan
JIMMY’S HALL, de Ken Loach
LE MERAVIGLIE, de Alice Rohrwacher
LEVIATHAN, de Andrey Zvyagintsev
MAPS TO THE STARS, de David Cronenberg
MOMMY, de Xavier Dolan
MR. TURNER, de Mike Leigh
RELATOS SALVAJES, de Damian Szifron
SAINT LAURENT, de Bertrand Bonello
SILS MARIA, de Olivier Assayas
STILL WATER, de Naomi Kawase
THE HOMESMAN, de Tommy Lee Jones
THE PAIN OF BIRDS, de Abderrahmane Sissako
THE SEARCH, de Michel Hazanavicius
TWO DAYS, ONE NIGHT, de Jean-Pierre e Luc Dardenne
WINTER SLEEP, de Nuri Bilge Ceylan



Confira o trailer de Captives, filme de Atom Egoyan que disputará a Palma de Ouro

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Crítica - Capitão América: o soldado invernal

Igual, mas diferente; bom, mas nem tanto

 A Marvel já não precisa provar nada para ninguém e, à medida que seus planos no cinema ficam mais ambiciosos, seus filmes ficam mais reconhecíveis.  Justamente por produzir filmes com a essência do estúdio que o diretor à frente do projeto vem se tornando uma questão cada vez mais desimportante. Os escolhidos para dirigir O soldado invernal, uma produção de quase U$ 200 milhões, foram Joe e Anthony Russo, cujo único crédito no cinema até então havia sido Dois é bom, três é demais (2006), comédia meio assim estrelada por Owen Wilson e Matt Dillon.
Os irmãos dão conta do recado e O soldado invernal é um filme muito bem azeitado. É, também, um passo a frente na direção que a Marvel tem traçada para si no cinema. Tanto na sua famigerada fase 2, iniciada com Homem de Ferro 3 e que irá se exaurir em Os vingadores 2: a era de Ultron (2015), como na receita da casa. O soldado invernal é o produto mais sério da Marvel, mas não deixa de ser um filme com a cara do estúdio. Na lógica corporativista, não dava para ousar tanto, afinal.
A trama se passa dois anos depois dos eventos de Os vingadores e Steve Rogers já está ambientado, na medida em que essa adequação é possível, ao mundo como ele é hoje. O que Rogers não consegue digerir é a política agressiva de espionagem que a SHIED tenta implementar. Em um recorte que o caso Snowden ajudou a tornar mais atual, complexo e convidativo. O roteiro, porém, não ajuda. A (necessária) inserção da Hydra na trama se dá de forma incongruente e espalhafatosa e a história de espionagem é suficientemente banal e horizontal, a despeito da presença sempre sofisticada de Robert Redford como o chefão ambíguo da SHIELD.
Chris Evans, que esteve tão bem no primeiro filme e em Os vingadores, parece crer já ter decifrado o personagem de cabo a rabo e não se esforça para envernizar os conflitos do personagem, que parecem esquecidos em meio a crescente de ação que norteia o filme.
Daí o Capitão chega para a viúva e diz: mas esse filme é meu...
Se há a disposição de rebuscar o material, há também a displicência no tratamento diverso das mídias. Vícios de linguagem e narrativa admissíveis nos quadrinhos, mas contestáveis no cinema (ex: as mortes que não são mortes e são explicadas de maneira preguiçosa), estão começando a incomodar no universo Marvel que segue coeso, mas começa a dar sinais preocupantes.
Como coadjuvante de luxo, a viúva negra já havia provado funcionar muito bem e no novo Capitão América ela reforça essa percepção e faz crescer a expectativa por um filme solo da personagem.
Enquanto entretenimento, Capitão América: o soldado invernal mantém em alta estatura a verve criativa da Marvel. Funciona às mil maravilhas. Enquanto filme dentro do universo Marvel é uma evolução, ainda que menos significativa do que o estúdio quer crer. Como filme, analisado isoladamente, é um produto superior aos demais filmes dessa fase 2 do estúdio (Homem de ferro 3 e Thor: o mundo sombrio), mas o nível não era dos mais elevados. A Marvel segue estável, mas continua refém do ditado de que ser mãe é padecer no paraíso. É torcer para que Guardiões da galáxia (que será lançado em agosto), uma aposta francamente ousada, ajude a Marvel a operar fora da margem de segurança.

domingo, 13 de abril de 2014

Insight - O retorno de Kevin Costner

Kevin Costner em cena de seu novo filme que no Brasil se chamará A grande escolha

Kevin Costner foi por muito tempo “o cara”. Mas quando veio fazer um show com sua banda (ele também faz as vezes de músico country para quem não sabe) em Bauru, no interior de São Paulo, há três anos, muitos decretaram o que já parecia eminente. O vencedor do Oscar e eterno guarda-costas estava acabado para o cinema.
A década passada realmente não foi muito amiga de Kevin Costner. Ele até fez bons filmes como Pacto de justiça (2003), western dirigido por ele mesmo, A outra face da raiva (2005), Instinto secreto (2007) e Promessas de um cara de pau (2008), mas nada que tenha lhe rendido holofotes. Não eram papéis com pedigree o suficiente para lhe devolver ao olímpo hollywoodiano. Mas os ventos parecem estar mudando em seu favor. Tudo por causa da boa recepção, de público e crítica, à minissérie Hatfield & McCoys (2012) que lhe valeu muitos prêmios, inclusive um Emmy e um Globo de Ouro. Costner foi o pai de Clark Kent em O homem de aço (2013) e o mentor de Jack Ryan em Operação sombra- Jack Ryan (2014). Os papéis coadjuvantes em blockbusters temperam um retorno muito bem ensaiado. Em Draft day, estreia deste fim de semana nos EUA, o ator vive um gerente de um time de futebol americano sobre incrível pressão na época do draft, quando os times recrutam os calouros da temporada. 
Costner e Rene Russo em O jogo da paixão
O filme de Ivan Reitman suscita críticas divididas, mas Kevin Costner goza de boa receptividade por seu desempenho. Atuar em filmes esportivos não é exatamente uma novidade para o ator. Entre outros trabalhos, ele esteve em Sorte no amor (1988), O campo dos sonhos (1989), O jogo da paixão (1996) e Por amor (1997). “Acredito que Draft day possa ser um clássico”, disse o ator em entrevista coletiva sobre o filme em Los Angeles.
Mesmo que Draft day não atinja esse potencial que Costner vê nele, o ator já se precaveu. Outro lançamento de 2014 que rendeu bons dividendos ao ator foi Três dias para matar, em que ele dá uma de Liam Neeson. O carisma de Costner rimou com sua rigidez nas cenas de ação. Uma característica que preservou dos tempos do mezzo fracasso O mensageiro (1997).
Recentemente, Costner anunciou o desejo de dirigir uma trilogia de westerns que seria lançada no espaço de um ano. Não custa lembrar que Costner venceu o Oscar com Dança com lobos (1990).
A agressividade de Costner em pavimentar seu retorno ao olimpo hollywoodiano revela que, aos 59 anos, Costner está disposto a protagonizar um dos mais expressivos e contundentes casos de star power do cinema. Em uma era que estrelas longevas como Tom Cruise e Harrison Ford veem seus brilhos fraquejarem, uma estrela cadente pode voltar a brilhar com força. Muita força.

sábado, 12 de abril de 2014

O beijo no cinema

O beijo entre Burt Lancaster e Deborah Kerr em A um passo da eternidade (1953) é considerado um dos melhores da história do cinema

Neste domingo, 13 de abril, é comemorado o dia do beijo e beijo de cinema é aquele que merece ser comemorado. O beijo de tesão, o beijo de arrependimento, o beijo de saudade, o beijo de felicidade, o beijo apaixonado e o beijo desastrado, entre outros, figuram entres tantos beijos históricos imortalizados nas telas de cinema. Mas é justamente o beijo de cinema o que perseguimos do lado de cá das telas.
Essa aura em cima do beijo no cinema tem muito a ver com um ideal romântico que Hollywood vende como ninguém. Nas comédias românticas, o embotamento das relações amorosas cristaliza-se naquele beijo ansiado entre o mocinho e a mocinha. Mas há beijos de tirar o fôlego fora do gênero, como atesta a seleção feita por Claquete com filmes de diferentes gêneros e épocas.
O beijo no cinema é, ainda, expressão de um contentamento que palavras não conseguem tangir. Como o beijo de despedida em Ghost – do outro lado da vida (1990). É, também, mimetização de mudanças intrínsecas a personagens ou prerrogativas de um sedutor.
O beijo no cinema é frequentemente catártico, principalmente em dramas como O segredo de Brokeback Mountain (2005). É instrumento de erotização tenra, como em Azul é a cor mais quente (2013), ou manifestação de máxima intimidade, como em Uma linda mulher (1990).

O beijo no cinema pode ser espetacular, como em O Diário de uma paixão (2004), sob chuva com trilha comovente, ou pueril e genuinamente comovente como em Meu primeiro amor (1991).

Um beijo transcendental e muito comemorado no cinema entre Demi Moore e Patrick Swayze que encerra Ghost - do outro lado da vida  

A cena mais famosa da trilogia original de Homem-aranha é uma cena de beijo muito bem planejada e que, na medida do possível, foi muito repetida por casais mundo afora...

Em Encontro marcado, Brad Pitt é a morte e descobre que o sabor de um beijo apaixonado é infinitamente melhor do que pasta de amendoim...  

Ryan Gosling e Rachel McAdams alvoroçam multidões com o beijo mais cinematográfico entre os beijos cinematográficos no meloso O diário de uma paixão  

 Em Meu primeiro amor, o beijo como expressão de algo ainda não muito bem elaborado...

Harry também beija: Em Harry Potter e a ordem da fênix, Harry Potter deixa dos tempos de BV para trás e se aparta da fase menino...



O evitado, mas catártico beijo em O segredo de brokeback Mountain
 O primeiro beijo, ansiado e tateado, em Azul é a cor mais quente
 E a melhor cena de beijo da história do cinema no crivo do editor de Claquete

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Crítica - Entre nós

Para todos nós

Paulo Morelli escreveu o roteiro do ótimo Vips (2010). Um filme em que colagens temporais davam sentido a uma narrativa muito mais ambiciosa que tinha um personagem em particular como objeto de análise. Em Entre nós (Brasil 2014), cujo roteiro também é de sua autoria, Morelli estreia na direção dividindo o crédito com seu filho Pedro Morelli. A ambição permeia o projeto. Colagens temporais dão sentido à trajetória de seis personagens e de uma geração. Mas não é só. Entre nós quer ser, também, um oásis de criatividade na fauna cinematográfica brasileira. Filme rodado em uma locação só, ampla, mas circunscrita; com elenco mínimo (sete atores mais alguns figurantes) e que alterna drama, comédia e suspense em fluxo de gêneros tão bem amarrado que torna a produção pouco, ou nada, reconhecível em sua brasilidade não fossem os atores (todos bem conhecidos de outros carnavais) e o já famigerado excesso de palavrões que precede o cinema nacional.
O filme começa em 1992. Vemos um grupo de amigos, jovens e idílicos, escreverem cartinhas para que eles mesmos a leiam dali a dez anos em um reencontro. Dez anos depois, o grupo está menor. Um dos amigos morreu de maneira trágica. Outros se afastaram, outros se aproximaram mais, uns experimentaram o sucesso, outros provaram do fracasso e por aí vai.
Entre nós alimenta-se dessa ruptura temporal para nos reapresentar esses personagens, flagrados em contradição com quem eles eram dez anos atrás. Não obstante, há tempo e disposição para rever o imaginário cultural e político de uma geração que ainda responde pelos rumos mais assertivos ou desastrados da nação.
Todos os personagens têm conflitos interessantes. Os de alguns são mais bem melindrados pelo texto de Morelli, que não inventa na direção e oferece ao roteiro e aos atores o protagonismo.

Em uma interpretação mais subjetiva, mas o subjetivismo é o traquejo que faz Entre nós ser tão eficaz enquanto cinema, o filme de Morelli é uma embevecida elaboração sobre amadurecimento e de como esse processo implica em renúncia e dor, mas também em afeto e nostalgia.

terça-feira, 8 de abril de 2014

Insight - De oitenta a oito, a derrocada de Russell Crowe


Russell Crowe já estava em terras hollywoodianas em 1995, quando foi uma das agradáveis surpresas de Rápida e mortal, filme de Sam Raimi que é cheio delas. Mas o momentum em torno dele só começou dois anos mais tarde, quando foi um tira embrutecido e incorruptível no noir definitivo daquela década, o vencedor de dois Oscars, Los Angeles, cidade proibida.
Russell Crowe seria o astro da virada do milênio. Em O informante (1999), que lhe valeu sua primeira indicação ao Oscar, mostrava que era ator de verdade e não um mimo que Hollywood trouxera da Austrália, ainda que Crowe seja neozelandês de nascença naturalizou-se australiano ainda cedo. No ano seguinte, ascendeu à realeza hollywoodiana com Gladiador, que lhe valeu o Oscar já na segunda indicação. Russell Crowe era bonito, indomável e incrivelmente talentoso. No ano seguinte, emplacou a terceira indicação ao Oscar de melhor ator – feito raríssimo e desde então jamais replicado – por Uma mente brilhante que ganharia, a exemplo de Gladiador, o Oscar de melhor filme.
No início do milênio não era possível desviar o olhar de Russell Crowe.  A excelência era tamanha que mesmo em filmes de ação apenas eficientes, como Prova de vida (em que ele foi o pivô do fim do longevo casamento de Meg Ryan e Dennis Quaid), Crowe trazia muito mais ao papel. Os papéis seguintes ao frisson do Oscar estavam à altura de seu talento. Filmes como A luta pela esperança (2005), Mestre dos mares – o lado mais distante do mundo (2003), Um bom ano (2006) e Os indomáveis (2007) tinham como objetivo provar a versatilidade do então já consolidado astro de primeira grandeza em Hollywood.

 "O próximo Brando", destaca a GQ americana no início da década passada...

 A prestigiada revista Time colocou Russell Crowe na capa da edição que objetivava desvendar como o astro foi de bad boy à principal estrela da meca do cinema

Na capa da Vanity Fair em 2003, "se você quer um filme de sucesso, este é o seu homem"

Mas grandes poderes trazem grandes responsabilidades e Crowe tinha um fantasma bem grande em seu encalço. O sucesso de Gladiador que iria possuí-lo de vez em sua quinta colaboração com o diretor do filme que revitalizou os épicos. Antes de Robin Hood (2011) marcar o início da derrocada de Crowe, ele estrelou bons filmes adultos como O gangster (2007) e Rede de mentiras (2008), ambos de Ridley Scott, e Intrigas de Estado (2009). Ali, Crowe estava confortável no papel de astro, mas a excelência de sete anos antes já desanuviava em tiques de atuação.
Crowe ao lado de Jennifer Connelly na premiere
de Noé:
movimentos estratégicos para revitalizar
uma carreira em decadência
Desde de Robin Hood, para todos os efeitos um "sub-Gladiador", Crowe, é verdade, tem tentado diversificar e já fez cinema independente e até musical. Suas participações em O homem com punhos de ferro (2012), O homem de aço (2013) e Um conto do destino (2014), no entanto, deflagram um abismo tremendo entre os filmes que estrela atualmente e aqueles que estrelava há dez, doze anos. Crowe está mais velho, menos bonito e muito menos disposto a deixar de ser Russell Crowe em seus filmes. Diferentemente de Pacino, De Niro e Nicholson que são sempre eles mesmos nos filmes, o australiano não consegue capitalizar. Os filmes em questão são desinteressantes com ele e não apesar dele. Isso quer dizer que Crowe sendo Crowe não consegue desvencilhar-se da ruindade de seus filmes. Noé, outro épico em que ressuscita a aura de Gladiador, Crowe recebeu mais uma penca de críticas negativas. Trata-se de um projeto calculado para devolvê-lo aos bons dias (o fato de dividir a cena com Jennifer Connelly – sua parceira de Uma mente brilhante não é mera coincidência). Ao invés disso, o filme dirigido por Darren Aronofsky pode significar o fundo do poço para o ator. A boa bilheteria, se confirmadas as expectativas, pode diminuir o peso da ancora que Crowe tem amarrada em seu pescoço. Enquanto não mudar sua postura nos filmes e selecionar projetos “com menos perfil de Russell Crowe”, o ator estará flertando perigosamente com a irrelevância. Maior dos pesadelos para quem há não muito tempo era o rei da cocada preta em Hollywood.

domingo, 6 de abril de 2014

Crítica - Noé

O preço da fé

Cercado de expectativas e polêmicas, e inaugurando uma reiterada e ambiciosa fase bíblica em Hollywood, Noé (Noah, EUA 2014) não é um filme que corresponda ao hype que ostenta. Produção de U$ 150 milhões e marcada por desavenças entre o estúdio e o diretor, Noé é um filme cheio de gargalos. Começa muito mal, melhora na metade e termina de maneira pálida e condescendente. Ainda que seja um desafio renovar uma história plenamente conhecida até mesmo por quem tem pouca familiaridade com a bíblia, Noé sofre de más escolhas de direção. A primeira delas é tornar uma história eminentemente simples em um épico. Outra, por exemplo, é valorizar pouco a chegada dos animais à arca e mais a contenda entre o descendente de Cain (Ray Winstone) e Noé.
Há problemas no ritmo do filme e há um elenco muito oscilante também. Russell Crowe está muito ruim. Se colocarmos em comparação sua oscarizada performance em Gladiador e esta em Noé, será flagrado um ator preguiçoso e complacente.
Russell Crowe pouco impressiona como
um Noé virtuoso em sua obstinação
Mas Noé revela também o conflito entre o diretor Darren Aronofsky e o estúdio Paramount. A agenda ecológica do diretor é aventada no curso do filme e é uma sombra à estruturação religiosa da trama. Outro conflito intrínseco à narrativa reside no tom do filme, que obscurece profundamente quando o dilúvio está em curso. É justamente aí, quando Aronofsky apresenta mais consonância com seus interesses enquanto cineasta, que Noé tem seu melhor momento. Quando envereda pela análise do custo que é para este homem temente a Deus, manter sua fé em alta, Aronofsky rabisca um grande filme. Mas é apenas um momento entremeado por uma dicção narrativa confusa, ensimesmada e pouco inspirada visualmente (outra decepção tratando-se de Aronofsky).
Noé era um projeto querido e ansiado pelo diretor, que vinha de sua obra-prima Cisne negro. O estudo dos limites entre fé e alienação, notadamente o interesse primário do cineasta, submerge ante tantos equívocos. Não dá para culpar apenas o estúdio. É compreensível que com um orçamento desse tamanho, a Paramount objetivasse uma produção mais comercial. A culpa recai mesmo sobre os ombros de Aronofsky, Cisne negro, com toda sua reticência de drama psicológico e menos boa vontade do que Noé amealha em boa parte do público, era mais satisfatório dramaticamente.
Noé decepciona porque Aronofsky não se aprofunda na análise que quer fazer e titubeia em decisões que cristalizariam o escopo do filme. O discurso “eco friendly”, ainda que cabível, soa um tanto quanto deslocado das prioridades narrativas.  
O que, para a infelicidade de Aronofsky, pesa mais contra o filme, além das licenças pouco convincentes que toma da bíblia, são aqueles 20 e poucos minutos em que seu filme beira a genialidade. 

sábado, 5 de abril de 2014

Crítica: Ninfomaníaca - volume II

Sodomizando o público

Ninfomaníaca – volume II (Nymphomaniac: volume II, FRA/ALE/DIN 2013) é, em muitos sentidos, um filme distinto do primeiro volume. Mas falemos primeiro das similaridades. Tanto lá como cá, Von Trier provoca e frustra o público. Seja em uma anunciada suruba com homens negros, seja na incipiência com que investiga Joe (interpretada por Stacy Martin e Charlotte Gainsbourg) ou na profusão de metáforas inortodoxas que lança mão na figura de Seligman (Stellan Skarsgard), cuja função na narrativa se entremeia entre fazer as vezes do crítico de cinema (em um deboche divertidíssimo do cineasta), do público e, também, do alter ego de Von Trier.  
Às diferenças, então. Como previsto na crítica do blog do volume I, Von Trier se aproxima mais de Joe nesse segundo tomo. As inquietações físico-emocionais da protagonista são circundadas com maior zelo pelo cineasta que se mostra menos hermético e mais dado aos clichês que gravitam o senso comum da sexualidade. O que não quer dizer que Von Trier não faça provocações aqui e ali como quando faz com que o público se simpatize (com muito fundamento) com um pedófilo. Aliás, esta cena já entra para a galeria das melhores de 2014.
Ninfomaníaca –volume II parece enredar a tese de que o sexo é expressão definitiva para a identidade pessoal. O filme é substancioso em elaborar questionamentos irresolutos sobre fetichismos e sadomasoquismo. O estreitamento entre dor e prazer, em Von Trier, é algo muito menos sórdido e complacente do que as chibatadas que K (Jamie Bell) em Joe sugerem.
O desejo escravagista também tem seu espaço e ele pode se manifestar tanto no pedófilo oculto como na ânsia por humilhação que move a relação entre Jerôme e Joe.

Joe em sua busca por satisfação: o desejo por uma experiência radical e inédita lhe aproxima do orgasmo mais puro e metafísico já experimentado

Diferentemente do primeiro volume, são menos os arquétipos e mais os personagens, que articulam a trama. Uma bem vinda mudança de tom e que complementa, ou antecipa, uma mudança radical proposta pelo cineasta na última cena do filme. Pouco antes desta surgir, Von Trier prepara seu público em uma fala de Seligman: “As vezes, tudo o que você precisa é de uma mudança de ponto de vista”. Dito e feito. Apropriando-se de um discurso feminista ressentido, ele surpreende a plateia ao adensar a lógica da impossibilidade de amizade entre homens e mulheres. Radicalizando totalmente a dialética da trama com uma descarga de ironia e cinismo em face de uma atitude condescendente surpreendentemente pueril de um dos personagens.
O mecanismo obriga o público a rever toda a construção dramática que se deu até ali. Enquanto cinema é um exercício estético/ narrativo fascinante.

Por fim, a moral de uma cultura ocidental inflexível e anabolizada em sua relação com o sexo é devassada com rigor e imaginação, dueto possível apenas no cinema de Von Trier. O dinamarquês não se furta a pequenos gestos de malícia como referenciar-se ou incutir humor onde não se poderia concebê-lo, mas mesmo essa masturbação intelectual reforça o status de Ninfomaníaca – volumes I e II de filme robusto, plural, multifacetado e, acima de tudo isso, provocador; ainda que não o seja da maneira que o público projetava. Está aí, finalmente, nessa sodomização ansiada (e muito bem executada) o trunfo definitivo de Von Trier. 

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Crítica - Instinto materno

A sociologia da emoção

O cinema romeno é conhecido por sua singeleza crua e Instinto Materno (Pozitia Copilului, ROM 2013), premiado com o Urso de Ouro no festival de Berlim em 2013, não foge a regra.
O filme de Calin Peter Netzer não ostenta um grande drama, mas filtra um grande conflito de uma situação dramática aparentemente banal – que não ganharia grande repercussão nas páginas policiais da Romênia ou de qualquer outro país.
Netzer abre seu filme com Cornelia (a extraordinária Luminita Gheorghiu), mulher da alta sociedade, desabafando com uma amiga sobre a negligência do seu filho para com ela. É claro o ressentimento da mulher para com a nora, que segundo ela, contribui para que seu filho lhe destrate e não corresponda ao interesse dela nele.
Pouco tempo depois somos informados de que este filho, Barbu (Bodgan Dumitrache), se envolve em um acidente automobilístico, atropela e mata um menino de 14 anos.
Cornelia vai à delegacia com a amiga e a todo tempo recebe orientações do marido e de uma porção de amigos bem relacionados. Estão, a partir deste momento, estabelecidos os dois grandes conflitos do filme. O primeiro no núcleo familiar. Afinal, Barbu se ressente da personalidade e da postura dominante da mãe, mas não se ressente de como seu poder de influência e suas boas conexões podem lhe ser úteis para escapar da cadeia. Em outra frente, se articula o conflito de classes e sua cristalização ímpar em casos de homicídio culposo (quando não há a intenção de matar).

Cornélia obstinada em sua cruzada para livrar seu filho da cadeia: suborno, intimidação, manipulação e amor genuíno 

Aos poucos, Netzer vai fechando o tubo de ensaio e revelando um filme nervoso em suas interjeições narrativas. Barbu com sua ruptura geracional é uma pessoa melhor do que sua mãe, Cornelia, ou apenas menos franca, mais complexa e dissimulada? É uma das intermitências do filme. A outra justifica o bom título nacional. No final da fita, e não há nenhum spoiler em destacar isso, Cornelia se encontra com a mãe do menino atropelado e todo o sentido construído pela narrativa de Barbu, de súbito, se esvazia. O absurdo da perda de um filho de maneira tão brutal e idiota, no entanto, encontra respaldo no sofrimento da mãe que se debate para manter seu filho fora da prisão. Não se trata de medir sofrimentos; apenas de equacioná-los. Algo que este belíssimo filme romeno faz com uma organicidade que arrepia. 

domingo, 30 de março de 2014

Crítica - Tudo por justiça

Por quem dobram os sinos...

O segundo filme como diretor de Scott Cooper, Tudo por justiça (Out of the furnace, EUA 2013) é uma representação ensimesmada do universo masculino e seus códigos nem sempre civilizados, muito menos civilizantes. A tradução literal do nome original do filme seria algo como “fora da fornalha”; e quando Russell Baze (Christian Bale) está fora da usina, uma verdadeira fornalha em que produz aço, ele é o tipo de homem que dá murro em faca. Único da família empregado em um cenário em que a única coisa que parece prosperar é a crise econômica, Baze habita um mundo em que o pai está à morte por ter trabalhado toda a vida no lugar em que Baze trabalha, em que seu irmão, traumatizado por ter servido no Afeganistão, apresenta claros sinais destrutivos e que sua esposa quer ter um filho mesmo com todas as condições contrárias.
Baze não tem muita sorte e é esse rastro de mau olhado que acompanha o protagonista. Ele tenta fazer o certo e, de alguma maneira, as coisas dão errado.
Não se trata de fazer a própria sorte ou de assumir as rédeas da própria vida. Baze assume a responsabilidade por seus atos com imensa coragem, o que não quer dizer que abandone a introspecção característica de um tipo de homem que o cinema americano tangenciou muito bem ao longo dos anos em filmes estrelados por John Wayne ou Clint Eastwood.
Mas antes de seguir adiante é preciso voltar ao princípio. Tudo por justiça tem um início devastador e talvez não seja mera coincidência que ele se passe em um drive in, esse elo perdido do cinema, em que vemos um homem (Woody Harrelson em sua escala mais insana) ascender à violência mais primitiva por um motivo banal. Essa presença instável, desestabilizadora e eminentemente masculina paira sobre toda a projeção de Tudo por justiça estabelecendo uma dolorida, hermética e ruidosa consonância com a cena final, também desestabilizadora em sua justificação bidimensional.
Os códigos masculinos são valorizados, ainda, no paralelo entre a caça e a luta e na rixa entre o homem abandonado pela mulher e aquele pelo qual a mulher o abandonou.

Há muitas intermitências narrativas em Tudo por justiça que o tornam muito mais interessante do que os filmes ao qual remete. A mais incisiva de todas, no entanto, é de que não importa o quão ingrata seja nossa sorte, no limiar somos os reflexos de nossas escolhas. Nesse sentido, Baze, seu irmão (Casey Affleck) e Harlan DeGroat (Woody Harrelson) guardam mais semelhanças do que pode parecer. É essa bruta, viril e, na concepção do filme, imperdoável verdade que sela o destino dos personagens e torna Tudo por justiça um filme tão melancólico na radiografia que faz do macho.  

Em off

Nesta edição da seção Em off, Meryl Streep tem poder, o diferencial de Capitão América, a suspeição provocada por alguns blockbusters da temporada e uma provocação sobre a história de Bradley Cooper ser o novo Indiana Jones.

Hell Streep!
A ideia de ter Meryl Streep como uma roqueira aposentada que no crepúsculo da vida busca se reaproximar dos filhos é tão boa, mas tão boa que só soa melhor quando se descobre que o projeto, previamente intitulado Ricky and the flash será roteirizado por Diablo Cody (Juno e Jovens adultos) e dirigido por Jonathan Demme ( Filadélfia e Sob o domínio do mal).

Ah, esses pôsteres do Capitão...
Andam dizendo que o filme é o melhor do universo Marvel, o que não é pouca coisa, mas também não é algo muito difícil de fazer. De qualquer jeito, no quesito pôster, Capitão América esmaga a concorrência e não só no universo Marvel. A começar por esse belo cartaz vintage...

Outros belos cartazes do filme



Mais Capitão

A equipe do AdoroCinema, site que é parceiro de Claquete, esteve em Hollywood na première do filme e falou com o elenco. Confira a ótima reportagem de Luciana Franchini em vídeo aqui!

Bizarramente bom ou bizarramente ruim?
O espetacular homem-aranha 2, principal aposta da Sony em 2014, provoca reações ambíguas nesta fase de enxurrada de material promocional. Vejam, por exemplo, o caso dessa imagem do visual do Duende verde interpretado pelo ótimo Dane DeHaan. Parece que o trash vai mandar lembranças a qualquer momento...



E já que os assuntos são blockbusters e heróis...
A Fox aposta tudo em X-men: dias de um futuro esquecido. Depois de revigorar a franquia mutante com Primeira classe, o estúdio precisa rentabilizar ainda mais a série. Já que todo mundo parece fazer muito dinheiro com personagens Marvel, inclusive a Marvel, menos a Fox. A aposta na colisão dos dois universos (passado e futuro) da franquia X é um chamariz e tanto, mas o excesso de personagens pode prejudicar. Para piorar, o primeiro trailer não empolga tanto quanto deveria.




Indiana Jones é o movimento certo para Bradley Cooper?
Há muita comoção a respeito da possibilidade, ainda não confirmada por vias oficiais, de Bradley Cooper assumir o papel de Indiana Jones na nova roupagem que a Disney, que adquiriu a franquia da LucasFilm, pretende dar à série. O que pouca gente parece disposta a repercutir é se Indiana Jones é o caminho a ser seguido por Cooper, que vem de duas indicações ao Oscar consecutivas e impetra uma reengenharia de carreira em Hollywood.
Que a Disney planejava reoxigenar a franquia era algo óbvio desde que a negociação com a LucasFilm se deu. A ideia de evocar a linhagem dos filmes Bond não é de todo ruim. Vale lembrar que Indiana Jones enquanto conceito surgiu da costela de Bond (Spielberg e Lucas se inspiraram na série em que Spielberg tinha interesse em dirigir, mas não convite).
Assumir o papel de Indiana Jones, com o alto risco que esse projeto ostenta (muito mais do que revitalizar Star Wars), pode ser o tiro pela culatra em uma carreira que acaba de ficar interessante.

quarta-feira, 26 de março de 2014

Insight - Reinventar-se é preciso!

Ator contestado, Ben Affleck se reinventou como cineasta de fina estirpe e já ganhou até Oscar; enquanto que George Clooney protagonizou a reinvenção mais radical e bem sucedida da história de Hollywood ao praticamente apagar da memória coletiva seu passado de ator errante nos anos 80

Hollywood adora uma reinvenção. Essa é daquelas verdades perenes que fazem e derrubam estrelas. O limiar entre uma carreira de novo fôlego e uma carreira enterrada de vez é, por vezes, imperceptível. Da tolerância do público à aceitação da imprensa especializada, muitos são os fatores que podem determinar se uma carreira por ser realocada ou não. Jennifer Aniston, por exemplo, tentou durante um breve período na década passada – após o fim do seriado "Friends" – redimensionar seu status no cinema, mas seu público não parecia disposto a alforriá-la das comédias românticas. Dramas como Amigas com dinheiro (2006), Fora de rumo (2005) e Por um sentido na vida (2002) não foram bem digeridos pela audiência e a ex-mulher de Brad Pitt se viu confinada ao gênero das comédias. Ainda assim, ela passou a ousar mais como em filmes como Quero matar meu chefe (2011) e Família do bagulho (2013).
Recentemente todos se assombraram com a transformação que Matthew McConaughey impôs a sua carreira. Denominada McConnainsance, a reviravolta culminou em Oscar, mas está longe de acabar. Com papéis difíceis como os de Killer Joe e "True Deetctive", McConaughey parece ter redesenhado seu papel na indústria do cinema. O mesmo tenta fazer Bradley Cooper. Depois de estourar como um dos protagonistas de Se berber, não case (2009), o ator se aliou ao cineasta Davi O. Russell, outro que enveredou pelo caminho da reinvenção (como já abordado aqui em Claquete), para mudar de status em Hollywood. Depois de duas indicações ao Oscar em anos seguidos, Cooper está nos novos filmes de Clint Eastwood e Cameron Crowe.
Antes de McConaughey e Cooper, porém, o britânico Colin Firth apartou-se das comédias românticas para abraçar os filmes mais sérios. Protagonista do novo filme de Woody Allen, Firth ganhou o Oscar por O discurso do rei (2010) há três anos depois de ter feito uma ruptura definitiva com sua carreira de então com o denso e doloroso Direito de amar (2009).
Nenhuma reinvenção, no entanto, é mais uníssona do que a de George Clooney. Poucos se atentam para o fato de que Clooney era um ator errático nos anos 80 e um astro emergente da tv nos anos 90 que soube se reiventar de maneira tal que se firmou como o maior astro da Hollywood atual, à frente de ícones de outrora como Harrison Ford, Tom Cruise ou Brad Pitt.

Reese Whiterspoon e Colin Firth divulgam Devil´s knot no festival de Toronto em setembro do ano passado: atores que buscaram reinventar suas carreiras e obtiveram aprovação do Oscar

Matthew McConaughey, maior símbolo atual do significado de reinvenção em Hollywood, com um dos muitos troféus que conquistou no início de 2014


Mudar é preciso!
Há, ainda, aqueles atores que enxergam a necessidade de mudança para que não fiquem presos ao estigma de um personagem. Ben Stiller tentou fugir do paspalho de bom coração com A vida secreta de Walter Mitty, que também dirigiu, acabou fugindo da comédia rasgada, mas não conseguiu mudar o tom do personagem. Jesse Eisenberg parece um sub Woody Allen e se isso lhe serviu bem em A rede social parece miná-lo em filmes como Truque de mestre (2013) e Para Roma, como amor (2012), em que foi dirigido pelo próprio Allen. Por isso seus próximos projetos são pontos fora da curva, como uma adaptação de Dostoievski e o vilão do próximo filme do Superman.  
Se Anne Hathaway conseguiu se desfazer da imagem de princesinha da Disney, Reese Witherspoon – por mais que tenha tentado – não se desfez da alcunha de atriz de comédias românticas, a despeito do Oscar e de suas incursões cada vez mais frequentes pelo drama. Coincidências à parte, o próximo drama de Witherspoon (Devil´s knot) também é estrelado por Colin Firth.
Channing Tatum é outro a perseguir o reconhecimento como ator sério, mesma escalada de Sandra Bullock que de uns tempos para cá passou a conciliar as comédias blockbusters que fizeram sua carreira com dramas menores. A ideia é transparecer uma carreira mais equilibrada e completa do que de fato ela tem a apresentar.
Liam Neeson vai na contramão. Ator de vasta credencial no drama, o irlandês passou a prestigiar o cinema de ação, roubando holofotes de pretensos protagonistas do gênero como Vin Diesel. Filmes como Desconhecido (2011), A perseguição (2012), Busca implacável (2008) e Sem escalas (2013) provaram o fôlego há pouco inimaginável do agora sessentão no gênero que é a menina dos olhos do sistema de estúdios hollywoodiano.
As mudanças podem se dar por contingência de mercado, como prova o caso de Neeson. A carência por atores capazes de sustentar um gênero que ainda não se renovou desde os anos 90 empurrou o ator para o metiê de outros vovozinhos como Bruce Willis e Sylvester Stallone.
As mudanças podem se dar ainda como estratégia de carreira, gosto pessoal ou mero acidente. Reinventar uma carreira não é tão fácil como parece.  Requisito básico e que parece sublinhar muito bem a divergência entre Anne Hathaway e Reese Witherspoon, é ter talento.

sexta-feira, 21 de março de 2014

Crítica - Alemão

Sujou Playboy!

Alemão (Brasil 2014), vendido como filme de guerrilha, é, na verdade, um filme que voluntariamente se faz refém do que de pior caracteriza o cinema nacional. É difícil eleger um dos muitos defeitos ou vícios do filme para abrir esta crítica que invariavelmente será pouco amistosa ao filme de José Eduardo Belmonte, diretor que até este projeto em particular mantinha uma carreira sem nenhum baixo no cinema.
A ideia que move a trama é muito boa. Às vésperas da ocupação do complexo do Alemão pela Polícia Militar do Rio de Janeiro e pelo exército brasileiro, cinco policiais infiltrados, desmascarados pelo chefão do tráfico de drogas – um caricato Cauã Reymond – precisam se esconder em território hostil na expectativa de sobreviver.
Acontece que o roteiro, assinado por Gabriel Martins a partir da ideia de Rodrigo Teixeira, que produz o filme, desenvolve muito mal esse argumento. Os diálogos são batidos, a evolução da trama é dolorosamente previsível e os conflitos dos personagens são introduzidos de maneira amadora.
O clímax, e a maneira como ele se constrói, são facilmente antecipáveis e tudo é agravado por uma direção afetada de Belmonte que reproduz noções envelhecidas de como fazer um filme policial à brasileira. Ele ainda aproveita muito mal o confinamento em que boa parte do filme se dá. Fosse buscar abrigo no sempre referenciável Roman Polanski (que faz isso muito bem em A faca na água, O bebê de Rosemary, Repulsa ao sexo e O inquilino) e talvez se desse melhor.

Cauã Reymond como Playboy: too clean to play dirty...

Alemão peca, ainda, por ter bons atores muito mal aproveitados. De Antonio Fagundes, que só acha o tom de seu personagem à beira de um ataque de nervos próximo do final da fita, a Gabriel Braga Nunes, francamente deslocado com um personagem mal justificado e nenhuma fala digna de seu talento.
Entre mortos e feridos no elenco, salva-se o ator Marcelo Melo Jr., que recebe o melhor personagem do filme e não faz por menos. O adensa com uma composição tridimensional, a despeito dos diálogos tacanhos que precisa dar viço vez ou outra.
Alemão, como se não bastasse, demonstra incômoda insegurança quanto a suas escolhas. Ora parece confortável como filme de entretenimento e ora insiste em nos querer fazer crer ser um filme denúncia, vertente tão cara à filmografia de ranço sociológico de parte do cinema brasileiro. Acaba em um pouco lisonjeiro meio termo.
Uma leitura positiva pertinente à narrativa é a forma bem azeitada e mais subliminar do que desejável com que a realização apresenta a nítida infantilização desses “meninos armados”. O total desprezo pela vida humana e seu significado e a ostentação passivo agressiva provida pelo poder das armas garantem os melhores momentos não exibicionistas do filme.
De qualquer modo, Alemão se justifica por ter sido produzido fora do contexto engessado da política de fomento ao cinema no país e por conseguir grande visibilidade para si. Em parte pelo estrelado elenco e em parte pelo tema, infelizmente sempre atual. Ainda assim, é muito pouco para ambição tão inocultável.

quinta-feira, 20 de março de 2014

Crítica - Sem escalas

Entre o filmão e o filminho

Sem escalas (Non stop, EUA 2014), nova empreitada de Liam Neeson no cinema de ação, é aquele tipo de filme que trafega entre dois tipos muito distintos de entretenimento cinematográfico. Aquele que pretende apenas segurar o espectador boas duas horas de sessão na cadeira e aquele que assim pretende fazer, mas contando uma boa história e muito bem amarrada.
Dirigido por Jaume Collet-Serra, um artesão do gênero que já havia trabalhado com Neeson em Desconhecido (2011), e produzido por Joe Silver – o rei dos filmes B que de vez em quando emplaca produções A, Sem escalas se beneficia dessa bifurcação. Não é um filme tão sério quanto a tensão ininterrupta que fabrica faz crer e não é tão tolo quanto algumas reviravoltas forçadas sugerem.
Neeson em ação: sempre bom de se ver
É um filme esperto sobre a paranoia americana e que não se avexa de incorporar o espírito de filme B quando a engenhosidade de sua trama começa a parecer viagem demais. Preserva o pedigree com toda a sofisticação que só Neeson pode trazer à sua versão de Steven Seagal  e se veste de filme menor para se desvencilhar de críticas desarranjadas. É uma solução inteligente e que ajuda a entender porque em pouco mais de duas semanas a produção de U$ 50 milhões já ultrapassou os U$ 130 milhões ao redor do mundo.
Liam Neeson faz um agente federal aéreo que acompanha a tripulação em voos internacionais que chegam e partem dos EUA. Em um desses voos, como entrega o trailer que antecipa toda a trama (como muitos trailers atuais, aliás), um passageiro ameaça matar um passageiro a cada 20 minutos se U$ 150 milhões não forem transferidos para uma conta que está no nome do agente vivido por Neeson. O fôlego do filme se concentra, portanto, em fazer a plateia duvidar da sanidade do personagem enquanto testemunha seus esforços para salvar o avião e todos a bordo do que aparenta ser menos um atentado terrorista e mais um ataque a sua pessoa.
Com coadjuvantes de luxo como Julianne Moore, a recentemente oscarizada Lupita Nyong´o e o ascendente Corey Stoll, Sem escalas entrega o que promete.  Ação e tensão em doses cavalares e algum sentido. No fim, a conta fecha no azul. 

terça-feira, 18 de março de 2014

Crítica: Need for Speed - o filme

No need, some speed

Adaptações de games se provaram um material difícil para Hollywood adaptar. É uma esfinge que a meca do cinema ainda não conseguiu decifrar e por isso vai sendo devorada. Enquanto produz ótimos (já nem tanto) filmes baseados em HQs, Hollywood padece ao apresentar filmes ruins baseados em games de sucesso. Enquanto isso, a indústria dos games vai dando a volta em Hollywood como aquela que mais fatura no gigantismo do mundo do entretenimento.
"Need for speed", game de sucesso, mas com um fiapo de história representava no filão das adaptações um desafio ainda maior. Era preciso criar toda uma história, um organismo vivo e palatável para um público alheio ao universo do game e, ainda assim, identificável aos fãs mais hardcore.
Dirigido por Scott Waugh, dublê que se arrisca (e sai-se bem) como diretor com a chancela de Steven Spielberg – um dos produtores associados do filme, Need for Speed – o filme (Need for Speed, EUA 2014) termina a prova em boa colocação. Para forçar a metáfora automobilística, é aquele carro que faz a melhor volta, mas não termina entre os competidores que pontuam. Trata-se de um filme de menino muito bem azeitado nesse escopo e de um filme de ação com boas e bem coreografadas cenas de velocidade. É lógico que isso não torna Need for speed um ótimo filme, mas no contexto das adaptações de games e do desafio que esta em particular representava, viabiliza um resultado mais do que satisfatório.
Waugh peca, no entanto, por tentar transparecer fazer um filme mais sério do que o que realmente tem em mãos. A sombra de Velozes e furiosos, que escora no piegas aqui e ali, paira sobre Need for Speed. A diferença é que a franquia capitaneada por Vin Diesel não necessariamente resvalava o piegas em seu filme inicial.

Aaron Paul se prepara para o clímax do filme: dono absoluto da cena...

Se Waugh erra no tom de quando em quando, o protagonista Aaron Paul não poderia estar mais calibrado. Em seu primeiro papel de destaque desde o fim da série "Breaking bad", Paul demonstra toda a segurança que o leading man de um blockbuster exige. Com carisma de sobra e com a perfeita noção do tipo de filme que está fazendo, o ator dá pulsação ao filme que é menos acelerado do que muitos podem imaginar.
Com um Michael Keaton dando sequência ao resgate de sua carreira, Need for Speed agrada em parte por seu desprendimento e em parte porque as expectativas eram, compreensivelmente, muito baixas.  

Breaking good – o doce futuro de Aaron Paul em Hollywood

Você talvez o conheça de "Breaking bad", em que interpretava o traficante barato e viciado em metanfetamina Jesse Pinkman que aos poucos foi ganhando a simpatia do público. Talvez você o conheça de um punhado de filmes independentes ou, talvez, você não o conheça de modo algum. Mas com Need for Speed, seu primeiro fôlego no pós-"Breaking bad", Aaron Paul vem reclamar seu espaço na meca do cinema. Nas palavras de Steven Spielberg, produtor do filme que adapta o game homônimo de sucesso, Aaron Paul tem algo raro de se achar no olimpo hollywoodiano: “Ele tem uma excelente presença de cena. Existem muitos bons atores, porém é difícil achar pessoas que tenham essa habilidade natural para convencer sem dizer uma palavra, apenas por existir em cena. Aaron tem esse elemento a mais”, observou um dos maiores Midas de Hollywood que recomendou pessoalmente Paul para o protagonismo do filme.
Mas Aaron Paul não para por aí. Acelerando mais do que seu personagem no filme, ele também lança neste começo de ano a comédia Altos e baixos em que contracena com figuras como Pierce Brosnan e Toni Collette. Para o fim do ano, o ator tem na manga o épico biblíco Exodus, de Ridley Scott em que fará Josué, o sucessor do Moisés de Christian Bale.
Enquanto acelera no cinema, Paul mantém aberta a porta da tv que o consagrou. Está em negociações para integrar o elenco de "Better call Saul", spin-off de "Breaking bad". Na tv, antes dos prêmios e da notoriedade conquistados com a série criada por Vince Gilligan, Paul atuou em séries diversas como "Bones", "Big Love", "NCIS" e "Verônica Mars".
Need for Speed marca um novo momento na carreira de Aaron Paul. Não é apenas seu primeiro protagonismo em uma produção hollywoodiana, é seu primeiro protagonismo em uma produção ambiciosa, de forte apelo junto ao público jovem e masculino, e na qual Paul se sai maravilhosamente bem. No final das contas, palmas (mais uma vez) para Spielberg.     

domingo, 16 de março de 2014

Insight - Mais uma tradição abaixo no mundo do cinema

O publico que é frequentador ocasional de cinema talvez custe um pouco a notar, mas quem não consegue viver sem a aura e o magnetismo do cinema já sofria por antecipação, desde quando a novidade foi anunciada em meados de fevereiro. O Brasil se referencia em países como Alemanha, Colômbia, México e Argentina e desde a última quinta-feira (13) não mais programa as estreias de cinema para as sextas-feiras e sim para as quintas.
A mudança paradigmática foi debatida e acordada entre distribuidores e exibidores.
"O País já teve a quinta como dia de lançamento de filmes até cerca de 25 anos atrás. Isso foi modificado pela necessidade de se estrear um filme depois do lançamento nos EUA, mas atualmente não há mais esse impedimento", disse à reportagem do jornal O Estado de São Paulo o presidente da Federação Nacional das Empresas Exibidoras Cinematográficas. "Era assim porque nos EUA a estreia é na sexta. E isso estava imposto. Mas estamos meio saidinhos e demos um grito de autonomia",  observou na mesma reportagem o diretor da Distribuidora Downtown Filmes, Bruno Wainer.
Para dar mais corpo à justificativa, as distribuidoras alegam que era uma demanda do público o lançamento de filmes as quintas e apontam as concorridas pré-estreias como indicativo deste quadro. As pré-estreias em questão são de filmes badalados como Jogos Vorazes e Crepúsculo e que fazem fãs madrugar, qualquer que seja o dia.
Cena de Refém da paixão, um dos filmes que marcam
a nova era nos cinemas brasileiros
Apesar de serem taxativos, distribuidoras e exibidores não têm nenhum plano de medição para aferir se a sensibilidade às supostas demandas do público se verifica com o novo dia de estreias de cinema no país.
O que pode ser que esteja por trás dessa mudança inegavelmente repentina é a necessidade de potencializar os ganhos de bilheteria no primeiro fim de semana. O primeiro fim de semana, e essa é outra tendência imposta pelo mercado americano, é crucial para o desempenho financeiro de um filme. A expectativa, mais cercada de breu do que admitem distribuidores e exibidores brasileiros, é de que com mais um dia no fim de semana, as bilheterias possam melhorar. Eles apostam no boca a boca do trabalho, mas parecem ignorar que as redes sociais subjugaram essa dinâmica com força atroz.
Sem investir na melhoria dos serviços, na abertura de mais salas em cidades com demanda reprimida ou em uma política que flexibilize com maior propriedade o preço dos ingressos, muito dificilmente a medida de aumentar o tempo útil do fim de semana de estreia produzirá efeitos significativos.

De significativo mesmo, apenas a destituição de mais uma tradição cinéfila. Da sexta-feira, o real crepúsculo de uma semana de trabalho ou estudo, iluminar as estreias do cinema.

sábado, 15 de março de 2014

TOP 10 - Dez características do cinema de Lars Von Trier


Lars Von Trier está de volta aos cinemas com a segunda parte de seu Ninfomaníaca. A oportunidade enseja uma análise mais vertical da obra do cineasta e dos elementos fundamentais de sua filmografia. O TOP 10 do mês observa as dez principais características do cinema do diretor dinamarquês.

10 - Cronologia temática
Lars Von Trier costuma pensar sua obra em trilogias. As trilogias da Europa, da América (ainda incompleta), do coração de ouro e da depressão compõem um painel que rima abstração com concretude na construção fílmica de um dos cineastas mais autorais da contemporaneidade.

9- Estilização
Um filme de Lars Von Trier parece um filme de Lars Von Trier. Desde o enquadramento desajustado até o ritmo lento, seus filmes têm fôlego próprio. Seus últimos trabalhos têm chamado ainda mais atenção por uma tarimba visual ainda mais peculiar.

8 – Capítulos
Outro aspecto comum em sua filmografia é a divisão do filme em capítulos. Em Ninfomaníaca ele radicaliza ainda mais essa característica levando para as telas oito capítulos. Essa opção reforça sua afinidade com a lógica das óperas tão ressaltada em seus últimos trabalhos.

7- Stellan Skarsgärd
Não há ator com quem Von Trier tenha trabalhado mais. Presente na maioria dos filmes de Von Trier, dos últimos seis só não esteve em AntiCristo, o ator sueco é um parceiro capaz de assumir as funções mais variadas nos delírios narrativos do cineasta mais polarizador da atualidade.

6 - Opulência narrativa
Von Trier não alivia. Seus filmes são frequentemente classificados como pesados. E o são, de fato. Von Trier mitiga seu espectador com dramatizações pujantes e um humor perverso, mas raríssimo. Opções estéticas diversas contribuem para o sentimento de estafa que se estabelece de quando em quando.

5 - Psicologização
Von Trier não esconde sua admiração pela psicologia e ostenta seu conhecimento, por vezes inesperadamente trôpego, em toda e qualquer oportunidade de “psicologizar” os conflitos intrínsecos ao filme e aos personagens.
O choque como autopromoção é uma de suas assinaturas

4 - Protagonistas femininas
O acusam de ser misógino, mas fato é que o cinema de Von Trier se debruça sobre o feminino. Ele já disse que escreve sobre si e feminiliza suas angústias na tela. De qualquer modo, ainda que sofredoras extremas, suas personagens femininas ostentam força indelével no cinema moderno.

3 – Sexo
De alguma maneira, Von Trier sempre circundou o sexo como interesse temático em seu cinema. Ninfomaníaca apenas tonifica um tópico contumaz na filmografia do cineasta. Filmes como Os idiotas, Ondas do destino, Dogville e AntiCristo de alguma maneira, já se ocupavam da questão.

2 – Culpa
Um diversionamento do sexo, em algum aspecto, mas também um conceito absoluto em si.  A culpa é uma das forças motrizes do cinema de Von Trier. Seja de um personagem, como em AntiCristo ou Dançando no escuro, ou seja um traço coletivo como em Dogville ou Melancolia.

1-Reverberação filosófica
Como atestam as posições anteriores desta lista, Von Trier é chegado em um café filosófico. Em Ninfomaníaca este interesse é mais vívido do que qualquer outra interjeição mais gráfica sobre sexo. Von Trier filosofa em seus filmes como se o amanhã dependesse disso. 

quinta-feira, 13 de março de 2014

Espaço Claquete - True Detective

A HBO vinha ficando para trás em matéria de originalidade e vanguarda na tv americana. Depois de reinventar, ou talvez seja melhor tirar o prefixo “re”, o conceito de dramaturgia na tv com "The Sopranos", a poderosa empresa vinha perdendo para redes mais novas como AMC – com "Breaking bad", "Mad men" e "The Walking Dead" , Showtime – "Dexter", "Weeds", "Californication" e tantas outras – e até Netflix – com "House of Cards". Eis que depois de igualar o jogo com boas produções como "Girls" e "Game of Thrones', a HBO volta a dominar um território em que reinou soberana por muito tempo com "True Detective".
A antologia, formato de série popularizado recentemente por "American Horror Story", revoluciona mais uma vez a linguagem televisiva no que pode ser sintetizado como “a melhor resposta a Breaking bad” feita por um programa de tv. "True Detective" é o flerte mais bem ensaiado entre literatura e tv. Chega a ser quase uma apropriação. Não só pelo ritmo e ambientação da narrativa, como pelos próprios interesses dramatúrgicos a moverem a trama. A investigação sobre um serial killer não é mais importante do que as inclinações morais e emocionais dos personagens principais ou da fixação da Louisiana, Estado em que a trama se desenvolve, como um personagem central e ativo na narrativa.
Escrita por Nic Pizzolatto, roteirista de poucos créditos, e dirigida em seus oito episódios por Cary Fukunaga – uma ousadia para a tv moderna – "True Detective" se destaca pela rigidez estética (ressaltada pela música coordenada com destreza mediúnica por T Bone Burnett), pela fotografia irresoluta de Adam Arkapaw e pelo forte viés filosófico a respaldar os episódios. Agregando estrutura de thriller à lógica de conto de fadas, o primeiro ano da série se deixa contaminar pela aura da Luisiana, o estado americano que mais aceita o fantástico. Werner Herzog já havia trabalhado bem este conceito no remake de Vício frenético (2009). Aqui, no entanto, Pizzolato vai além. O aspecto interiorano, o ar de decadência e o forte apelo religioso da região pairam sobre "True Detective" de modo a recrudescer tanto o principal mote da trama, como as angústias dos personagens.
Personagens, saliente-se, viscerais em suas imperfeições. Matthew McConaughey consegue a proeza de ser sutil em uma caracterização que por vezes parece um tanto over. Mas é só impressão. O ator arrebata na pele de Rust Cohle, detetive melancólico, pessimista, introspectivo e arredio que precisa se ajustar a seu parceiro no mesmo compasso que seu parceiro precisa se ajustar a ele.  Marty Hart, o parceiro em questão, é vivido com a habitual excelência por Woody Harrelson. Não é um personagem fácil, certamente menos chamativo do que Cohle, e Harrelson o humaniza de maneira notável.
"True Detective" rejeita o convencional com todas as suas forças. Não há desenho narrativo mais bem adornado na tv atualmente. Pizzolatto soube distanciar-se dos arquétipos disponíveis e bancou uma produção autoral, viva e com propriedades narrativas absolutas e reconhecíveis. É algo mais forte do que o que se vê no cinema, na tv e mesmo na literatura policial. É algo novo, genuíno e profundamente instigante. É bom, é cru, é inteligente. É, também, um problema. Pois com o segundo ano confirmado (história, personagens e atores serão diferentes) estabelece-se o imperativo de, ao menos, manter-se o nível. Não será uma missão fácil e a Luisiana, com seus furacões, crendices e torpor, podem ganhar ainda mais relevância em uma revisão histórica.