quinta-feira, 3 de abril de 2014

Crítica - Instinto materno

A sociologia da emoção

O cinema romeno é conhecido por sua singeleza crua e Instinto Materno (Pozitia Copilului, ROM 2013), premiado com o Urso de Ouro no festival de Berlim em 2013, não foge a regra.
O filme de Calin Peter Netzer não ostenta um grande drama, mas filtra um grande conflito de uma situação dramática aparentemente banal – que não ganharia grande repercussão nas páginas policiais da Romênia ou de qualquer outro país.
Netzer abre seu filme com Cornelia (a extraordinária Luminita Gheorghiu), mulher da alta sociedade, desabafando com uma amiga sobre a negligência do seu filho para com ela. É claro o ressentimento da mulher para com a nora, que segundo ela, contribui para que seu filho lhe destrate e não corresponda ao interesse dela nele.
Pouco tempo depois somos informados de que este filho, Barbu (Bodgan Dumitrache), se envolve em um acidente automobilístico, atropela e mata um menino de 14 anos.
Cornelia vai à delegacia com a amiga e a todo tempo recebe orientações do marido e de uma porção de amigos bem relacionados. Estão, a partir deste momento, estabelecidos os dois grandes conflitos do filme. O primeiro no núcleo familiar. Afinal, Barbu se ressente da personalidade e da postura dominante da mãe, mas não se ressente de como seu poder de influência e suas boas conexões podem lhe ser úteis para escapar da cadeia. Em outra frente, se articula o conflito de classes e sua cristalização ímpar em casos de homicídio culposo (quando não há a intenção de matar).

Cornélia obstinada em sua cruzada para livrar seu filho da cadeia: suborno, intimidação, manipulação e amor genuíno 

Aos poucos, Netzer vai fechando o tubo de ensaio e revelando um filme nervoso em suas interjeições narrativas. Barbu com sua ruptura geracional é uma pessoa melhor do que sua mãe, Cornelia, ou apenas menos franca, mais complexa e dissimulada? É uma das intermitências do filme. A outra justifica o bom título nacional. No final da fita, e não há nenhum spoiler em destacar isso, Cornelia se encontra com a mãe do menino atropelado e todo o sentido construído pela narrativa de Barbu, de súbito, se esvazia. O absurdo da perda de um filho de maneira tão brutal e idiota, no entanto, encontra respaldo no sofrimento da mãe que se debate para manter seu filho fora da prisão. Não se trata de medir sofrimentos; apenas de equacioná-los. Algo que este belíssimo filme romeno faz com uma organicidade que arrepia. 

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