domingo, 6 de abril de 2014

Crítica - Noé

O preço da fé

Cercado de expectativas e polêmicas, e inaugurando uma reiterada e ambiciosa fase bíblica em Hollywood, Noé (Noah, EUA 2014) não é um filme que corresponda ao hype que ostenta. Produção de U$ 150 milhões e marcada por desavenças entre o estúdio e o diretor, Noé é um filme cheio de gargalos. Começa muito mal, melhora na metade e termina de maneira pálida e condescendente. Ainda que seja um desafio renovar uma história plenamente conhecida até mesmo por quem tem pouca familiaridade com a bíblia, Noé sofre de más escolhas de direção. A primeira delas é tornar uma história eminentemente simples em um épico. Outra, por exemplo, é valorizar pouco a chegada dos animais à arca e mais a contenda entre o descendente de Cain (Ray Winstone) e Noé.
Há problemas no ritmo do filme e há um elenco muito oscilante também. Russell Crowe está muito ruim. Se colocarmos em comparação sua oscarizada performance em Gladiador e esta em Noé, será flagrado um ator preguiçoso e complacente.
Russell Crowe pouco impressiona como
um Noé virtuoso em sua obstinação
Mas Noé revela também o conflito entre o diretor Darren Aronofsky e o estúdio Paramount. A agenda ecológica do diretor é aventada no curso do filme e é uma sombra à estruturação religiosa da trama. Outro conflito intrínseco à narrativa reside no tom do filme, que obscurece profundamente quando o dilúvio está em curso. É justamente aí, quando Aronofsky apresenta mais consonância com seus interesses enquanto cineasta, que Noé tem seu melhor momento. Quando envereda pela análise do custo que é para este homem temente a Deus, manter sua fé em alta, Aronofsky rabisca um grande filme. Mas é apenas um momento entremeado por uma dicção narrativa confusa, ensimesmada e pouco inspirada visualmente (outra decepção tratando-se de Aronofsky).
Noé era um projeto querido e ansiado pelo diretor, que vinha de sua obra-prima Cisne negro. O estudo dos limites entre fé e alienação, notadamente o interesse primário do cineasta, submerge ante tantos equívocos. Não dá para culpar apenas o estúdio. É compreensível que com um orçamento desse tamanho, a Paramount objetivasse uma produção mais comercial. A culpa recai mesmo sobre os ombros de Aronofsky, Cisne negro, com toda sua reticência de drama psicológico e menos boa vontade do que Noé amealha em boa parte do público, era mais satisfatório dramaticamente.
Noé decepciona porque Aronofsky não se aprofunda na análise que quer fazer e titubeia em decisões que cristalizariam o escopo do filme. O discurso “eco friendly”, ainda que cabível, soa um tanto quanto deslocado das prioridades narrativas.  
O que, para a infelicidade de Aronofsky, pesa mais contra o filme, além das licenças pouco convincentes que toma da bíblia, são aqueles 20 e poucos minutos em que seu filme beira a genialidade. 

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