domingo, 14 de novembro de 2010

Claquete repercute - Garotos de programa

Gus Vant Sant é tido como um dos realizadores mais experimentais do cinema americano. Ao lado de nomes como Julian Schnabel, John Cameron Mitchell e Spike Jonze. Tem a seu favor, a aura de transitar com propriedade no universo adolescente. Embora esta assunção seja recente e derive diretamente de filmes recentes como Paranoid Park (2007), Últimos dias (2005) e Elefante (2003), é no início de sua carreira como cineasta que esse paradigma se estabeleceu. Garotos de programa (My own private Idahoo, EUA 1991) é seu segundo longa metragem (Van Sant vinha de causar frisson na cena independente americana com Drugstore Cowboy). Garotos de programa recupera, em termos, a estética de seu primeiro filme e a narrativa alucinada, ainda que lenta.
Outra peculiaridade que move o cinema do cineasta é o interesse pela inadequação social. Homossexual assumido e militante, o diretor se embrenha em sua causa nos filmes que dirige. Essa noção é bastante clara ao revisitar seus filmes com conhecimento da dimensão de sua obra. Em Garotos de programa, os jovens e sua “força bruta emocional” são o eixo central. O diretor e roteirista trabalha com duas figuras dicotômicas, mas aproximadas na essência quixotesca e shakesperiana. Não à toa, por vários momentos, o filme assume a teatralidade de Shakeaspeare em quem Van Sant baseia seu texto.
Mike (River Phoenix), menor abandonado, viciado em drogas, se prostitui enquanto tem de lidar com uma doença rara chamada narcolepsia que o acomete de breves ou longos, mas sempre indesejados, períodos de sono. Scott (Keanu Reeves) é um garoto rico que se rebela contra o pai, refugia-se nas ruas e, em meio à mendicância, também se prostitui. É da relação adornada por travessuas, hedonismo e um amor flagelado em sua condição proletária, que Van Sant tenta fazer uma radiografia um tanto turva desse microcosmo.
O filme participou do festival de Veneza, do qual Phoenix saiu premiado com a Copa Volpi de melhor ator. De fato, a entrega de Phoenix é notável, mas isso não constitui uma boa atuação.
O que incomoda em Garotos de programa não é a ausência de julgamento por parte da realização. A horas tantas do filme, Scott muda sua postura (o que o personagem em momento algum escondeu que iria fazer) e a ordem das coisas é de alguma maneira restabelecida. O aspecto mais desolador desse filme que chegou a ser festejado como algo notável é sua lacuna criativa. Parece feito para atender um interesse voyeur e um capricho estético que em si não se justificam como cinema.
Esse buraco criativo viria a ser contornado pelo cineasta em suas obras recentes em que aliou arrojo estético e narrativa obtusa com conteúdo hermético, mas efervescente. Garotos de programa só ferve o vazio. Revisitando o filme é possível afirmar que o cineasta apurou primeiro sua estrutura fílmica para depois alinhar seu discurso. Os interesses de Van Sant já eram visíveis em Garotos de programa, mas só na última década que eles puderam se tornar audíveis.

4 comentários:

  1. Arrisco em dizer que "Garotos de Programa" seja o melhor filme da filmografia de van Sant. Como você vem disse, Reinaldo, ele consegue transitar bem em estilos diferentes, agradando com os mais experimentais assim como fazendo sucesso com a massa em ótimos filmes como "Milk" e "Gênio Indomável". Depois do excelente "Elefante", achei que ele perdeu um pouco a mão, mas ainda é um grande diretor com identidade própria.

    abraço!

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  2. Reinaldo, bela síntese sobre o Van Sant.

    Este filme me cativa e consegue ser o melhor da filmografia do cara. Ele já experimentou de tudo no cinema (mesmo na proagmática visão documental que ele tem na veia), mas aqui ele consegue explorar um tema (na qual é ótimo), com mais característica fílmica. Claro, embora também haja filmes encomendados como 'Gênio Indomável'.

    Van Sant faz muito bem um filme realisticamente visual em sua obra (Elefante e Paranoid Park tbm se destacam pelo ótimo registro dos jovens).

    Abs.
    Rodrigo

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  3. É um belo filme, além de constar hoje como uma lembrança de River Phoenix, nosso James Dean moderno.

    bjs

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  4. Elton: Pois é Elton, Van Sant é um cineasta interessantíssimo e Garotos de programa é crucial nesse sentido. No entanto, considero este um dos piores filmes de sua filmografia. Só não é pior do que o despropositado remake de Psicose. Como defendo no texto, Van Sant ainda estava carecendo de maturação aqui. Abs

    Rodrigo:Acho que revisitar este filme (recomendo) depois de ter visto Elefante, Últimos dias e Paranoid Park demonstra como Garotos de programa é um filme problemático em termos de discurso. É isso que tentei passar com claquete repercute deste mês. Aqui a estética de Van Sant já estava em ebulição. Mas era só ela. Abs

    Amanda: Essa lembrança, penso, as vezes contamina nossa percepção do filme. Bjs

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