terça-feira, 11 de outubro de 2011

Claquete repercute - Bastardos inglórios



Há dois anos, estreava no Brasil o último e melhor filme da curta filmografia de Quentin Tarantino. Bastardos inglórios (Inglorious basterds, EUA/ALE/FRA 2009), sob qualquer ângulo, marca a maturidade de Tarantino como autor. Mas isso já foi dito. Aqui mesmo em Claquete na cobertura especial que o blog fez do lançamento. Com oito indicações ao Oscar, Palma de ouro em Cannes e mais um sem número de aprovações da crítica, Bastardos inglórios rapidamente se tornou um filme maior de Quentin Tarantino. Há quem ainda prefira a revolução narrativa e o coquetel cru de violência que é Pulp fiction – tempos de violência. Bastardos inglórios, no entanto, além de ser sua maior bilheteria, é quando o Tarantino diretor se sobrepõe ao Tarantino roteirista – ainda que a pena de Quentin seja das mais avassaladoras verves criativas do cinema americano atual.
É sob essa perspectiva que se pode enquadrar o primeiro capítulo de Bastardos inglórios (Era uma vez em uma França sob ocupação nazista). A apresentação do majestosamente ambíguo e aterrorizante coronel Hans Landa (Christoph Waltz), ou caçador de judeus, se dá de maneira charmosa, tensa, gradativa, inesquecível. A cena flui de maneira natural e Tarantino, com a inestimável colaboração de Christoph Waltz, constrói um momento cinematográfico que preserva seu apelo inconteste.
Não só este é o melhor capítulo de um filme cheio de cenas memoráveis, como é uma cena majestosamente concebida. Os ângulos, a cadência dos atores, os diálogos primorosos e a crescente da tensão. É como se fosse um curta metragem que reverbera sentido em si mesmo. O segundo capítulo (Bastardos inglórios) traz mais da irreverência usual de Tarantino. Surgem os heróis fictícios criados por Tarantino e surge também um caricatural Hitler que se obscurece ante o temível Landa ou mesmo perante outras figuras nazistas que surgem no decorrer da fita. Aldo Raine (Brad Pitt) é desses personagens célebres que Tarantino cria e que encontram vida em um ator cheio de energia como Pitt. Desde o sotaque caipira até a postura com que proclama as falas pop de seu personagem, Pitt desempenha bem sua função na tela. Outro que surge bem desenhado é Donny Donowitz, o urso judeu, encarnado pelo pupilo de Tarantino, o também cineasta Eli Roth. O alemão Til Schweiger faz Hugo Stiglitz, um alemão truculento recrutado pelos bastardos.
O segundo capítulo contém aquele espírito transgressivo de Tarantino e ganha em humor. A terceira parte (Noite alemã em Paris) é dedicada a Shosanna Dreyfus (Mélanie Laurent), talvez a personagem mais trágica criada por Tarantino depois da noiva de Kil Bill. É um capítulo em que o gosto cinematográfico de Tarantino se anuncia e daí em diante o cinema passa a ser um elemento catalisador em Bastardos inglórios. Dentro da lógica interna do filme e o próprio filme como expoente de uma lógica catártica. Mais do que simples alegoria, as referências se comunicam em um nível pós-moderno, com a própria proposta revisora de Tarantino.
É no quarto capítulo (Operação Kino), com o prenúncio do clímax, que chega outra grande cena – passada em uma taverna – em que o roteirista Tarantino manda um alô. No último capítulo (A vingança do rosto gigante), Bastardos inglórios se resolve com propriedade, alternando humor, drama e suspense com sobriedade, sem abdicar de certos devaneios estilísticos.
Tarantino fez um filme violento, com múltiplas referências, em que reverencia o próprio cinema, enaltece o cinema enquanto instituição e conceito, reescreve a história, cria personagens antológicos, revela o talento de dois ótimos atores (Michael Fassbender e Christoph Waltz), e faz um filme de guerra sem nenhuma cena de combate. Pode parecer pouca coisa, não é. Mas Bastardos inglórios não é o melhor filme de Quentin Tarantino por nenhuma dessas razões. É o melhor filme porque é extremamente original em sua proposta, não em sua concepção, excepcional em seu desenvolvimento, não em sua depuração, e apresenta um cineasta vigoroso, ciente de seus vícios e disposto a freá-los. Não a toa, foi depois de fazer sua “revisão da segunda guerra mundial”, que Quentin Tarantino se sentiu apto a mexer nos westerns, gênero americano por excelência. Seu próximo filme, Django unchained, de certa maneira, será uma derivação do que conquistou com Bastardos inglórios. Mais do que respeito e status, que já dobravam a esquina, Tarantino conseguiu uma obra prima de fato. Agora é ver até onde ele pode ir.    

5 comentários:

  1. EXCELENTE texto! Um filme que comprova o amadurecimento de Quentin, antes um nerd teenager que fazia fitas de 90 minutos como Cães de Aluguel.

    Simplesmente amo este filme justamente por sua originalidade. A qualidade de "Bastardos", além de tudo isso que você coloca, e faço outra observação aqui, é pelo fato de que Tarantino prova que no cinema tudo pode acontecer. Ou seja, nem que para isso a narrativa da segunda guerra mundial seja contada sem cenas de batalhas e também ao som de David Bowie. Assim como, Hitler mascando chiclete no camarote do cinema e uma sala cheia de nazistas que viram churrasquinho! A fantasia, a violência e o humor do Taranta são elementos fundamentais para contar uma premissa tão gráfica, separada por capítulos que praticamente se sustentam como filme solo. Aliás, o meu capítulo favorito é mesmo o primeiro. Uma abertura prima. O da Taverna também é algo magistral e puro Quentin Tarantino. E, sem contar que foram esses capítulos que revelaram em forma de apresentação os talentos escondidos de Michael Fassbender e Christoph Waltz. É isso, o cineasta não só ressuscita atores como revela outros.
    Outros pensavam que Quentin tinha chegado ao seu limite em “Kill Bill”, evidente engano.

    Preciso dizer o quanto estou ansioso para o Western a la Taranta? E DiCaprio em um papel malvado! Não vejo a hora de ver mais uma salada original do cineasta... e com um gênero que vc sabe que eu gosto.

    Abraços.

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  2. Otimo texto mesmo Reinaldo, acho q Tarantino apresenta muita qualidade desde CAES DE ALUGUEL, um marco narrativo para o cinema americano. BASTARDOS INGLORIOS é obra-prima! Um filme para cinema, com personagens q só existiriam no cinema de TARANTINO. Abração!

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  3. Para mim, o melhor filme do Quentin Tarantino. Uma obra madura, de excelente roteiro e com boas atuações. Só não gosto da atuação caricatural do Brad Pitt.

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  4. Ótimo texto mesmo, Reinaldo. Concordo que Bastardos seja o amadurecimento de Tarantino e um marco para o cinema. O primeiro capítulo é mesmo quase um curta-metragem, tudo está ali, foi por isso que escolhi para representar o filme no evento que participei. Tarantino brinca como nunca em Bastardos chegando a marta literalmente Hitler no cinema. Adoro.

    Mas, devo dizer que Cães de Aluguel pelo roteiro inventivo diante do baixo orçamento, ainda tem lugar no meu ranking, afinal, fazer um filme de ação dentro de um galpão não é para qualquer um. Assim como Pulp Fiction marcou época com sua linguagem não linear e estilo. É meu TOP 3 do diretor, vamos ver o que nos aguarda e dessa vez, sem a montagem de Sally Menke.

    bjs

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  5. Rodrigo: Valeu pelo comentário meu velho. Se vc tiver a fim de matar a saudade de Bastardos inglórios aqui em Claquete, é só clicar no nome do filme. Tem muuuuita coisa sobre essa obra prima de Taranta publicada no blog.
    Abs

    Celo: Vc delineou bem a linha. Desde Cães de aluguel ele mostra qualidade, mas aqui, pela primeira vez, mostra maturidade.
    Abs

    Kamila: Mas a ideia é ser caricatural! Como vc não gosta do Pitt nesse filme?! rsrs
    Bjs

    Amanda:Cães de aluguel é o meu segundo preferido do Tarantino. Pulp Fiction vem em terceiro.
    Bjs

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